JOSÉ VICENTE
JOSÉ VICENTE por José Plínio
de Oliveira*
Compadre José Vicente
Eu saí do Bom conselho
Amontado num jumento
Procurando um documento
Sobre as lidas do vaqueiro.
Sendo eu um caatingueiro
Muito de dentro do eito,
O jeito que encontrei
Foi perseverar na busca
Apesar de toda a brusca
Rebeldia da cultura
Que tenta ofuscar a sorte
Da figura do vaqueiro,
Esse ícone alvissareiro
Da cultura do Nordeste.
Achei uns cabra da peste
No rumo que eu seguia
Não foram de serventia
Para a minha precisão,
Então eu deitei a sorte
Numa cuia de farinha
Caminhei mais de três dias
Sem ter nada pra comer.
A minha fome maior
Era saber do meu povo
Pegar um gibão de couro
E me vestir de saudades.
Aqueles fio do cabrunco
Quase que me desanima,
Mas eu tenho a minha sina
Eu não posso desandar.
Compadre José Vicente,
Digo com todo o respeito
Se não fosse o vosso texto
Mais do Irmão Irailton,
Minha busca não seguia
Nem mais um palmo adiante
E no talante da sina
Eu teria sucumbido.
Pois achei uma caiçara
Inda com resto de fogo,
Numa moita de velame
Tinha cheiro de mulé.
Desci pra Paripiranga
Enrrabichado por Quenga
Peguei doença-do-mundo,
Caspa, coceira e quipá.
Naquele triste episódio,
Me apeguei com Zé Kalisto
Pelo visto, eu não teria
Mais dois dias pra viver.
Compadre José Kalisto
Também viu que eu tinha
sífilis,
Tinha a espinhela caída,
Quebranto e parte rendida.
Na manhã do outro dia,
Me deu remédio pra tudo
E logo eu fiquei taludo
Comecei a trabalhar,
Mas ele talhou a cisma
Pensando que sou roncolho,
Mandando eu descer as calças
E depois ficar de quatro
Pra poder me examinar.
Foi aí que eu dei a testa
Dei de mão numa estrovenga
Chegou Justino Capenga
Pondo fim naquele azar.
Então deitei a falar
Com toda razão do mundo:
Mestre Justino Capenga,
Vou te dizer com firmeza,
Em bunda de Cabra Macho
Não se pode por a mão.
Eu racho um Fio da Mulestra
Do Toitiço ao tornozelo.
Corto a língua pela cepa
E arranco o coração!
Cabra Macho sertanejo,
Vaqueiro de sentimento
Somente deixa mulé
Alisar sua macheza.
O homem traz entre as pernas
O que tem de mais dureza,
Nas plagas deste Sertão,
É o que lhe dá garantia.
Ou o cabra tem sua valia
Ou deixa de ter culhão.
Foi assim que eu deixei
Toda aquela aleivosia
Botei o pé na estrada
E rumei pra Cansanção.
Ali falou um Mistério
Que surgiu de supetão
Na força de uma razão
Que o mundo desconhece
Então eu prostrei-me em prece
E um Anjo Forte falou:
Se os cabra quer alcançar
Saberes sobre vaqueiros
Parta logo de primeiro
A ouvir José Vicente.
Esse meu criado prudente
Servo do meu Bom José
Que eu chamei da Galileia
Pra ser o primeiro vaqueiro
A cuidar da Manjedoura
Onde eu deitei o meu Filho
Dentro de um singelo cocho
Ao lado de um boi mocho
A olhar-lhe com olhos grandes.
Olhe, Moço, disse o Arcanjo:
No contorno do Cambaio,
Caminhe pro Bendegó
Dá dois dias de viagem
Seguindo a passo menor,
Depois quebre à mão direita
E vá direto pro Cumbe
Saúde a José Vicente
E diga a ele o que falo:
Não plantei capim guiné
Para boi abanar rabo.
Tire o gado da pastagem
E leve tudo pras Baixas!
Aproveitando a comida
Que rameja abundante.
Deixe as pastagens viçosas
Pra quando chegar setembro
Quando o verão vai chegando
Com a cauda solta pro vento
Querendo acabar o mundo
Sem poder nem com um sopro.
Serrinha, 15 de julho de 2014
*PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA – UNEB EM EUCLIDES DA CUNHA.
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