CUNHA MATOS
CUNHA MATOS por José Plínio de Oliveira*
– Coroner, disto o senhor não
tem nenhuma dúvida; desde tempos idos... Saiba Vossência que: o gaúcho é, antes
de tudo, um macho!
– Teu pai foi um grande macho, herói da
Guerra do Paraguai. Ajudou a combater os Farrapos,e todas as demais sublevações
que implodiram no Sul. Teu avô foi macho. Destacou-se pela bravura indômita, pelo
brio, pela disciplina austera, pelo patriotismo. Pelo Amor, pela dedicação e
pela devoção ao Exército! Tua mãe...
– Coroner, Coroner... Alto
lá! No Sur, para um gaúcho, esse negócio de mãe é coisa muito preciosa, muito
sagrada tchê! Mãe toca fundo no coração da gente gaúcha.
O jovem major Cunha Matos
havia abandonado a Fazenda Velha, deixando Moreira César agonizando. Fugiu
acossado pelos estampidos das armas de Pedrão e de Pajeú; então rumava para a
Fazenda Rosário, de propriedade do Coronel da Guarda Nacional José Américo Camelo de Souza Velho, primo do barão
de Jeremoabo, feroz adversário de Antonio Conselheiro e aliado de todas as
expedições militares mobilizadas contra o povo de Canudos.
– Cunha Matos, você é Macho!!!
Cunha Matos chorou...
O guri ingressou no Colégio Militar ainda desprovido de buço.Pensou
em ser padre, influenciado pela avó açoriana devota de Nossa Senhora do
Desterro. Entretanto, esbarrou na oposição do pai que ponderou com a venerada
genitora, admitindo que uma das meninas ingressasse na vida religiosa
consagrada.Mas, o filho varão tinha que cumprir a tradição da família
ingressando na vida militar. “O guri estava predestinado a lutar pelo Rio
Grande! Era um homem temperado para a coxilha.
Havia de lavar a honra do Brasil com o sangue gaúcho”.
Nos primeiros tempos de caserna,o jovem
foi marcado por austera timidez até que com o passar do tempo incorporou os
hábitos militares, passou a frequentar as noites sedutoras do universo
portalegrense nos momentos de folga, tornando-se heroico combatente de alcova.
Um colega pernambucano comentou certo dia com os pares mais próximos: “O Cunha
é bem um tipo do Norte: do ar urubu, do
chão cururu. Fode tudo o que achar pela frente”. Dito e feito, logo o rapaz
foi pilhado por um conceituado mestre da escola frequentando uma casa de
lenocínio. Um mestre também assíduo naquele trato noturno.
– Cunha, tome cuidado. Estás
te expondo muito, tchê!
– E o senhor não?
Cadete, veio a cair nas graças
de uma elevada patente daarma, o que lhe fez usufruir de grandes privilégios no
ambientemilitar de formação profissional. Aspirante-a-Oficial, envolveu-se em
um escândalo com uma dama da alta sociedade.A sua permanência no Rio Grande do
Sul ficou insustentável.Então o velho marechal que dele se afeiçoou desde o seu
ingresso na Escola de Cadetes, mobilizou toda a sua autoridade, prestígio e
influência para resguardá-lo de todo e qualquer contratempo. Para tanto, articulou
a sua transferência para um importante regimento da corte do Rio de Janeiro
onde passaria a servir sob o comando de um antigo discípulo e subalterno daquela
potestade castrense.Logo, publicada em boletim a sua remoção, o velho comandante
pôs a pena a esculpir uma longa carta de apresentação do seu “estimado cadete”.
Missiva alongada e carregada de emoção incontida em que se destacavam palavras
exuberantes:
“Passados
muitos anos em que serviste sob o nosso Comando, valho-me destas linhas para te
pedir um grande favor que creio não mo negarás, até pela elevada estima e grande
amizade que nos une há anos.Trata-se de um jovem Cadete que mandei transferir
para o teu Regimento. Trata-se dê um gaúcho extremamente MACHO!!!. Tu não
imaginas o quanto me dói. Atende pelo nome de guerra de Cunha Matos e descende
de importante família de origem lusitana. De enobrecida tradição na vida militar
tanto em Portugal quanto aqui no Brasil. Dele, tenho a dizer-te que sê Deus fez
o mundo em sete dias, seis deles foram bem empregados em fazer o Rio Grande e
as Maravilhas deste glorioso rincão. Entretanto, afirmo-te com conhecimento de
alcova, quero dizer de causa, que dos seis dias empregados para fazer o Rio
Grande e as suas Maravilhas, cinco dias e meio aprouve a Deus emprega-los em
fazer CUNHA MATOS. Um menino bom que agora ponho em tuas mãos. Estou a abdicar
de uma preciosidade para depositá-la em face de ti”...
Ao fazer a leitura da última
frase, percebeu o destinatário três pequenos borrões que dilatavam a tinta,
tornando os signos escritos mais robustos que os demais. Examinou-os com maior
acuidade e percebeu que eram marcas de lágrimas vertidas pelo remetente quando
encerrava o texto. Então dobrou a missiva, tornou-a ao envelope, guardou-a na
pasta de documentos pessoais e sussurrou de si para si: Trata-se dêum Gaúcho extremamenteMACHO!!!Logo passou a sentir
arrepios por todo o corpo, sentiu que as crises e vertigens corriqueiras
estavam prestes a acometer-lhe. Tal como lhe soia acontecer em certas ocasiões.
Ergueu-se e dirigiu-se para o seu quarto de repouso, contíguo ao seu gabinete
de comando – uma espécie de suíte do III Milênio em um regimento militar do
século XIX –, trancou a porta a chave e com os ferrolhos de segurança e esborrachou-se
no piso de assoalho. Vieram-lhe as convulsões: contraiu-se, bateu-se,
estrebuchou-se, estremeceu-se, rolou pelo chão espumando como um cão raivoso, masturbou-se
e, depois, rastejou como um verme abjeto, entrou no armário, persignou-se de
cócoras, guardou silêncio por algum tempo refletindo intimamente. Depois saiu
do armário, sentou na boneca de estimação que guardava a sete chavesem um estojo de marfim,e sussurrou: “Um gaúcho extremamente MACHO!!!”
Tempos depois, referindo-se a
Cunha Matos em face do noticiário jornalístico que acompanhava sobre a escalada
da 3ª Expedição Militar Contra Canudos, o Bom Jesus Conselheiro vaticinou em
uma prédica dominical:
– É o Cão, é o fio do Cão, é a
image do Cão!
Pálido como um cadáver,
repugnante como uma úlcera cancerígena, trêmulocom palha açoitada pelo vento o
coronel persignado e torto como o
corcunda de Notre Dame, pela primeira vez na vida foi acometido por uma
espécie de profunda autocrítica eextravasou:
“Aminha condição de pessoa humana
é muito degradante. É infame, humilhante, torpe. Tento me libertar deste
estigma terrível, mas a minha humanidade me corrompe e me leva por caminhos que
não quero seguir. Como posso suportar este espinhona
carne que vai me fustigando lentamente? Como pode a condição humana submeter-me
a uma situação tão indigna? Como poderei soerguer-me do pó? A minha vida tem
sido uma guerra travada contra esta ignomínia... Vivo a realidade hipócrita de
estar escorado em uma instituição austera e moralmente completa submetendo-me a
uma situação tão repugnante. Por muito tempo acreditei que a vida militar com
todo o seu aparado jurídico de códigos, boletins diários, regulamentos, partes,
portarias, instruções, normas, disciplinas, hierarquias e preceitos rigorosos
me daria condições de resistir, mas tudo isso não passa de excrementos em face
da minha fragilidade execrável. Estou perdendo a guerra que movo contra mim
mesmo. Eu não tenho mais forças para resistir”... Mas foi tomado de brevíssima
reflexão sublimar, comtemplou o Pavilhão
Nacional que ficava hasteado junto do leito. Bem diante dos seus olhos, a
inscrição: ORDEM E PROGRESSO. E
continuou: “Que Ordem? Que Progresso?Pode ter uma Nação que tem no centro do Poder
a maioria dos seus homens públicos, eminentes, marcados por essa?... Que
progresso pode aspirar um País dirigido por homens moral e espiritualmente degenerados,
deteriorados, corrompidos por estigmas tão obscenos, tão asquerosos, tão
vulgares? O Brasil é um país condenado a repugnante flagelação”.
O coronelvoltou a estender-se no
assoalho por mais algum tempo, prostrado como um semimorto.Depoisfoi tentando
reunir migalhas de forças para reerguer-se. E assim que consegui arregimentar
ânimo foi à toilette, banhou-se,
cuidou-se, trocou de uniforme, empertigou-se. Empertigado, deslizou a mão
direita sobre o dólmã, depois contemplou as suas insígnias, as dragonas
douradas, as condecorações estendidas de alto a baixo. Indignou-se contra as
próprias ignomínias que lhe feriam a alma, e foi acometido da mesma ferocidade
implacável que sempre lhe advinha após uma crise; levando-o a trucidar todo e
qualquer humano que lhe estivesse ao alcance da mão. Decidiu sair do gabinete e
descer para o pátio do quartel a fim de trogloditizar a primeira vítima que encontrasse
pela frente. Ao abrir a porta deparou-se com o tenente-coronel Cavalcante;
subcomandante do Regimento; presumiu que ele tivesse auscultado as paredes para
lhe bisbilhotar a crise. Deu-lhe voz de prisão. E foi a tarde e a manhã do primeiro dia. Mandou que o subalterno se
recolhesse ao alojamento de oficiais superiores até segunda ordem, gritou pelo oficial-de-dia,
determinou-lhe que pusesse uma sentinela armada na entrada da cela do oficial
preso e que formasse o Esquadrão Especial de Cavalaria à sua disposição.Logo depois
tomou a cavalgadura de ancas parrudas e marchou com os comandados em direção a
Rua Matacavalos.No início do logradouro encontrou um homem negro que
transportava sobre a cabeça um engradado de galinhas; apontou a arma para o
homem, fez deitar o engrado sobre a relva e soltou a franga. Mais adiante encontrou
um cego, esmolando de porta em porta, apeou da montaria, degolou o indigente e
perfurou com a ponta da espada os olhos do menino que o guiava. Seguiu
adiante... Encontrou uma carroça carregada de feno que um trabalhador conduzia
a um sítio na Tijuca, mandou os soldados pegarem o trabalhador. Amarram-no à
carroça junto ao cavalo e atearam fogo ao feno. O comandante assistia ao
sinistro rindo a ilhargas e tendo convulsões orgásmicas irreprimíveis. Não
arredou o pé do lugar até ver tudo transformado em cinzas de matizes
semelhantes a folhas verdes de oliveiras incineradas. Ainda envolto na
atmosfera de sarcasmo sádico e grotesco, deu ordem de marcha ao Esquadrão e
mais além teve a atenção voltada para uma mulher em adiantado estado de
gestação, que estendia roupas coloridas em um varal de estacas. Interrompeu a
marcha diante da mulher, mandou os soldados manietarem-na; estripou-a. Depois
tomou o sabre de um furriel e espetou o feto ainda envolto em placenta
arroxeada, erguendo-o como troféu em cerimônia militar de exaltação àPátria Amada!
A tropa retornou à caserna alta noite.
No dia seguinte a quarta parte do Boletim publicou a prisão do subcomandante
por trinta dias. E foi a tarde e a manhã
do segundo dia. Logo, o subcomandante foi removido para dependência própria
do Quartel General do Distrito Militar do Rio de Janeiro para cumprir a pena.E foi a tarde e a manhã do terceiro dia.
O preso, tenente-coronel Cícero Romão de
Albuquerque Cavalcanti era cearense da mais elevada estirpe da Nobreza do Crato,
descendente da Nação dos Inhamunse de
esmerada formação na Escola Lazarista, era respeitado e reverenciado por toda a
tropa como oficial exemplar e justo.Com ficha de serviço impecável, havia feito
carreira servindo em unidades de elite espalhadas pelo território brasileiro.
Cultor das Letras Cearenses, tornou-se leitor inveterado da obra de Franklin
Távora. Conheceu Adolfo Caminha no Rio de Janeiro de quem se tornou um grande
amigo. Logo, tendo sabido da sua prisão, o autor de Bom Crioulo foi visita-lo. E
foi a tarde e a manhã do quarto dia. Ao concluir a visita, Caminha deixou-o
ciente de já estar em entendimento com a plêiade de intelectuais do Ceará então
radicados na Capital da República para pensar a questão. O tenente-coronel
Cavalcante estava decidido a pedir baixa do exército.
– Não! Não podes cometer tamanho
desatino precipitado! Já estamos nos mobilizando em tua defesa.
Os pensadores cearenses radicados no
Sudeste do Brasil ainda hoje são muito discretos e muito prudentes nas suas
relações com as linguagens turbulentas que estremecem o mundo. Com eles não tem
essa coisa de Cearádoyle, de
carnavalização de valores em troca de reconhecimento gratuito.No Ceará não tem disso não! Não!
Preferem a discrição, a modéstia, a firmeza de caráter, a generosidade mística,
a retidão de princípios, a Mística tão peculiar a alma cearense marca
profundamente o Pensamento do Ceará. Nas questões morais são de uma serenidade monástica
e de uma dignidade humana surpreendente. Não abrem mão, sob pretexto algum, dos
valores que lhes tocam mais fundo na alma. Os Pensadores do Ceará podem até conviver,
compreender e respeitar outras culturas do mundo, outros hábitos, outros
costumes, outros comportamentos. Mas no momento de abdicar dos valores
inabaláveis que lhes são muito peculiares; para declinar perante outras
linguagens do mundo, aí não! Que o digam – por exemplo – Antonio Conselheiro,
João Brígido e Rachel de Queiroz. Sem jamais esquecero Meu Padrinho, o Padre
Cícero Romão Batista; de Saudosa Memória. Assim como tantas personalidades
exponenciais daquele planeta, o tenente-coronel Cícero Romão de Albuquerque
Cavalcante também era filho daquele universo pensante. Era a alma viva do Ceará
naquele tempo de discursos castrenses predominantes no Rio de Janeiro. Portanto,
estava decidido a desvincular-se definitivamente da força armada a que servia
há tempos, para salvaguardar a honra do Pensamento Cearense.
Adolfo Caminha pensou por um momento como que persignado diante dos desafios
da vida; despediu-se do prisioneiro e foi pessoalmente levar os fatos à
Confraria Cearense do Distrito Federal. Ele caminhou literalmente pelas ruas do
Rio de Janeiro por todo o dia e entrou pela tarde. A sua peregrinação –
guardadas as devidas proporções – somente pode ser comparada à de Antonio
Conselheiro pelos sertões da Bahia.E foi
a tarde e a manhã do quinto dia.
Na manhã do dia seguinte todos
os membros da Confraria que se achavam na capital federal encontraram-se no
Salão Nobre do Ministério da Guerra, e a primeira exigência que formularam foi
a de que o ilustre conterrâneo fosse alojado imediatamente em dependência
especial do Estado-Maior daquela pasta enquanto perdurassem as providências. O
Ministro concedeu e prontamenteofereceu-lhes o próprio
salão para permanecerem em vigília, conforme o declararam. Agradeceram, mas
preferiram fazê-la na mesma dependência em que ficasse recolhido o
tenente-coronel Cavalcante. Dito e feito!
Depois de ouvir pacientemente a todos os
argumentos e pronunciamentos da plêiade de pensadores, tomou a palavra o
desembargador Apolinário Crescêncio Ibiapina de Mello, cearense do sertão de
Baturité, titular do Tribunal Federal de Justiça e decano do Poder Judiciário
Brasileiro. Tudo em face da manifestação de irredutibilidade do conterrâneo
Cavalcante:
– Prezado amigo e conterrâneo,
coronel Cavalcante, e demais confrades aqui presentes, aduz-me o mais elevado
sentimento nativista de que compartilhamos neste momento a louvar a vossa
firmeza de caráter e de elevada dignidade de servidor da Pátria. Ilustre
coronel, permita-nos, aliás, o que é dever de honra do homem cearense, senão de
direito: primar sempre pelo enobrecimento do Pensamento do nosso torrão natal
em toda e qualquer circunstância. Uma vez que o nosso Ceará é tão privado de
chuvas e tão repleto de Sol, a nossa maior e melhor lavra é a Primazia do
Pensamento que depende mais de Luz do que de lama. Destarte, rogamos-vos que
aceiteis o nosso modesto louvor, o nosso apreço, a nossa gratidão por tão
elevado senso de amor próprio e também à nossa querida Província do Ceará em
muito tão sofrida e castigada pelas contingências do tempo. Mas agora é tempo
de pensamento, ponderação e prudência em face da situação em que nos deparamos
neste delicado momento. Recebi desde o dia de ontem em nossa casa e local de
trabalho alguns dos nossos que servem na Vila Militar e demais unidades
sediadas aqui no Distrito Federal. Todos consternados com o que ocorreu com
Vossa Senhoria. Sem sombra de dúvidas, o meu convencimento é de que nos achamos
na iminência de uma sublevação militar; para tanto consta haver entendimentos
com pares que servem em unidadesde São Paulo e de Minas Gerais. Diante dos fatos,
estamos conclamando a todos a evitar derramamento de sangue. Portanto, nós vos
suplicamos pelo que de mais caro nos une, a honra do Ceará, que vos digneis
aceitar a nossa Súplica Cearense nos termos que submetemos ao vosso lúcido,
incólume e patriótico juízo: estamos autorizados com absoluta garantia a vos
assegurar uma transferência para a reserva remunerada na patente de
general-de-divisão, a anulação do ato que vos trouxe este quartel general, a
vossa libertação ainda hoje e a publicação dos termos aqui acordados, caso
acatados por Vossa Senhoria, no Diário Oficial do dia de amanhã.E foi a tarde e a manhã do sexto dia.
Pairou um silêncio de trevas sobre a
face do abismo que se estendia entre o tenente-coronel Cícero Romão de
Albuquerque Cavalcante e a injustiça sofrida no quartel em que servia. Aos
poucos dele foram se aproximando discretamente um confrade após outro. O
magistrado permanecia à cabeceira da mesa em absoluto silêncio e de olhos
cerrados.
– Aceito os termos apresentados
por Vossa Excelência e volto para o Universo do Ceará com a consciência plena do
dever cumprido! Todos aplaudiram.
– Fiat Lux! Aqui estão os
documentos para o vosso exame, assinatura e mais as assinaturas de três
testemunhas.
No dia posterior o Diário
Oficial da República dos Estados Unidos
do Brazil publicou na íntegra os termos aceitos pelas partes. E foi a tarde e a manhã do sétimo dia.
Naquele mesmo dia, desembarcava
no porto do Rio de Janeiro o aspirante Cunha Matos, recepcionado pessoalmente
pelo comandante do Regimento, à frente do Esquadrão Especial de Cavalaria com toda
pompa e circunstância.
Passou o período de instalação alojado na
caserna, parte dos quais trancafiado no gabinete e na suíte do comandante.
Devidamente instalado, surpreendeu a tropa e constrangeu aos seus superiores
hierárquicos ao ser empossado na função de Secretário do Regimento – cargo de
caráter privado à patente de major – logo percebendo vencimentos e vantagens atribuídas
ao posto de tenente-coronel; com direitos a outrasmordomias, regalias e grandes
privilégios“inerentes à função militar”. A partir de então passou a ostentar-se
como requintado dandy, frequentando a
Rua do Ouvidor, a Confeitaria Colombo, o Alcazar Lírico e as cocotes francesas. Muito em moda na
época. Espraiou-se pela orla dos prazeres cariocas.Foi morar no Bairro da Lapa.
E as promoções relampágicas faiscaram-lhe uma após outras. Atingiu a patente de
major num piscar d’olhos, passando – de fato – a comandar o Regimento, impondo-lhe
preceitos draconianos. Certa feita determinou a um soldado que fosse à
cavalariça e lhe trouxesse o pingo; o
ordenança trouxe-lhe uma garrafa de aguardente e um cálice. Foi a conta:
enfureceu-se, deflagrou tiros para o alto, saiu ao pátio do quartel e gritou a
plenos pulmões:
– Nesta zorra, quem manda sou
eu! Eu prendo e arrebento!!!
Mas, entretanto, sentiu-se
preterido em face da dimensão logística organizada para as operações bélicas em
Canudos.
– Coroner, Coroner, não se deve gastar tanta pólvora em um chimango insignificante!
– Na guerra nunca se sabe...
Mais adiante, ei-lo circunspecto no fatídico 04 de março de 1897, ainda
dominado por experiências acima do conhecimento humano. Destarte, vislumbrou um
grupo de soldados que procedia do Umburanas.
Inquiriu o bravo tenente gaúcho que vinha à frente:
– Alto lá! O que é que há?
– Os jagunços mataram Moreira
César e Tamarindo! Os corpos estão acolá, estendidos no chão...
– Onde?
– Ali! E apontou para um pé de Juazeiro próximo ao leito do rio.
– E os jagunços?
– Arribaram por estes
descampados.
– E vocês! Para onde...
– Estamos cumprindo os preceitos
da Lei Tamarindo: É tempo dê murici, cada
um cuide dê si.
Cunha Matos avançou o zaino
para o local indicado. De fato, os cadáveres dos coronéis jaziam no chão
cobertos de moscas varejeiras. Tirou
o lenço do colarinho, sombreou a face e dava rédeas à cavalgadura quando ouviu:
– Cunha Matos, você é MACHO!!!
– Coroner, Coroner... MACHOS
mesmos são esses jagunços de Canudos que nos infligiram derrota tão fragorosa...
Logo desistiu de ir à Fazenda
Rosário. A guerra estava perdida, carecia de voltar para o Rio Grande do Sul, carecia dereconstituir saudades. Para
tanto precisava de ajuda; lembrou-se do amigo Potâmio e partiu de rota batida
para o Cumbe.
Serrinha, 15/02/15.
*PROFESSOR DE LITERATURA NO DEPARTAMENTO
DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECONOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA – UNEB. EM EUCLIDES DA CUNHA.
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