CID BABÁ E OS QUATROCENTOS BANDIDOS
CID BABÁ E OS
QUATROCENTOS BANDIDOS por José Plínio de Oliveira*

– Dá um jeito de mandar esse
indivíduo para alguma outra província, senão ele vai comer todas as mulheres da
Espanha. Parece que o sangue mouro ferve intensamente em suas veias árabes. Além
disso, soube que ele é tarado por Patrícias e nós as temos em demasia.
– Não! É o outro... O Jerez
dele são as Dolores.
– Pior ainda! Esse é que é o
problema que nos move a agir com a maior brevidade.
Dom Juan temia, principalmente,
vir a ser destronado dos Reinos de Leão, Aragão, Isabel e Castela pela força do
poder que Cid Babá vinha conquistando na Grande Ibéria. Além do Reino de
Espanha, é óbvio, que lhe foi usurpado por algumas décadas por um generalíssimo meio Quixote, meio
Napoleão, mas que lhe deu um trabalho exaustivo para reaver a coroa.
– Mas como fazê-lo? Se é ele
que nos garante o fornecimento de petróleo a custo abaixo do mercado e ainda
vem canalizando para o nosso país altíssimos investimentos em petrodólares que
sanearam os nossos déficits e afastaram definitivamente a crise econômica que
nos alarmava?...
– Não sei como! O Primeiro
Ministro és tu, je suis le Roi.
Le Roi, embora tenha nascido na Itália em consequência do exílio da
família real, tinha verdadeira fascinação por requintes franceses. Fã devotado
de Edith Piaf, admirador e discípulo de Charles de Gaulle muitas vezes punha-se
a falar francês pelos cotovelos com súditos e assessores que não dominavam a
língua estrangeira. Às vezes, iniciava um discurso oficial na língua de
Calderón de La Barca e de Cervantes; por exemplo; em cerimônia de recepção a um
chefe de estado amigo, e do meio para o fim desabria-se a falar francês. O que
irritava aos bascos. Mas, em certa ocasião, em que achavam-se também os bascos,
expressou-se em prepotente castelhano para impor silêncio a um governante
tagarela de uma das suas antigas colônias na América do Sul. Foi um fracasso
diplomático dos mais execráveis...
Le Roi saiu da audiência com o Primeiro Ministro roendo as unhas
para não roer a roupa da rainha d’Espanha.
As suas preocupações ficavam visíveis nas olheiras de insônias prolongadas.
Porém, o Sapateiro – tal como o Mestre José Amaro, da obra de José Lins do Rêgo
– pôs as sovelas, as facas, as formas, os martelos, os pregos, os couros e as
correias sobre a bancada, e ia começar a trabalhar quando lhe ocorreu um insight:
– A Lola!!! Como poderia me
esquecer da Lola? A Lola calça quarenta e sete...
Logo no dia seguinte chamou um
embaixador estrangeiro ao Palácio e obteve as garantias da concessão do título
nobiliárquico de Barão de Carapicuíba para Cid Babá. Bem como elevados
privilégios decorrentes do título, desde que passasse a viver e a imperar em um
país abaixo da Cordilheira dos Andes. Informado a respeito, Cid Babá chorou
copiosamente e aceitou comovido e de bom grado o reconhecimento oferecido; logo
transferindo a maior parte das suas fortunas das Arábias para o controle
espanhol.
– Qual é a especialidade dele?
Quis saber o diplomata.
– A Educação! Trata-se de um cavalheiro
esmeradamente Educado... Agora, vou te avisar uma coisa: não é homem de meias
palavras! Fala fluentemente todas as línguas românicas; inclusive gírias, dialetos
e palavrões.
Ao desembarcar da aeronave real no país que
lhe ofereceu sólida reificação, Cid Babá, ou melhor, o Senhor Marquês de
Carapicuíba recebeu das mãos do Ministro das Relações Exteriores; que chefiava
o cerimonial de recepção em nome do governo: uma Pasta, uma algibeira, um
alforje, um alguidar, um vídeo da Al Qaeda, um folder da Al Jazera, um Ministério, um camelo alado, um chefe de gabinete
e um vultoso orçamento. Inquiriram-lhe sobre as preferências por condições de
moradia.
– Eu só quero que atentem para
uma coisa: Eu não sou homem de albergues.
O chefe de gabinete, uma
espécie de fiel escudeiro, veio da grande megalópole e descendia de um ramo dos
Hadad, originários do Vale de Becar,
para atender prontamente as solicitações do Ministro da Educação.
– Que porra é essa?
– São ratos, Senhor Marquês.
– Que ratos? Que porra é essa?
Eles podem livremente circular por aqui? Por baixo das mesas, das poltronas,
dos armários, dos computadores, dos telefones, dos sapatos da gente?
– Sim, Excelência... O país
está infestado de ratos: há ratos em oleodutos, gasodutos, petróleodutos, propinodutos, congressodutos, câmarodutos, senadodutos,
paláciodutos e por aí afora... Há quatrocentos aqui ameaçando roer orçamento
que nos foi atribuído.
– Aqui eles vão roer é chumbinho!
E não providenciaram a desratização por quê?
– Já tentaram fazê-lo, mas a
infestação é incontrolável. Além disto, eles contam com foros privilegiados,
embargos infringentes, leniências, delações premiadas, ratoeiras domiciliares,
penas reduzidas a um terço, prisões semiabertas, indultos e etc. Vieram
técnicos na área de desratização tanto daqui quanto do exterior, mas nada
conseguiram. Então mandaram contratar um indiano, desses que usam turbantes e
tocam flautas para serpentes raticinadas. Os ratos roeram a flauta e o pênis do
indiano.
– Caralho!!! Estes que circulam
aqui de onde procedem?
– Do outro lado da Praça.
– Ah! Já sei... É onde tem um
ratão escondido sob óculos indevassáveis.
– Aquele é o Roedor menos
perigoso e o mais exigente. No momento é o Ratão mais poderoso dos Poderes
todos. Todavia, somente leva em consideração a Ministros muito bem educados. O
maior perigo ali não é o Poderoso Ratão, são os quatrocentos camundongos
bandidos.
– Então vamos nos dar muito
bem, porque eu sou o Ministro da Educação e vou exterminar os quatrocentos
ladrões ou camundongos bandidos, como você diz.
– Agora, tome cuidado porque aqui
na pós Região Andina a realidade é gravíssima. A Lola tem rabo preso com eles.
– Eu quero é que ela se foda!!!
Eu vou estourar aquela quadrilha. Porra, quatrocentos bandidos, cara?
Poucos dias passados, o Ministro
da Educação rasgou o verbo diante de câmeras e microfones, denunciando a quadrilha
e as suas ações devastadoras. Poucas horas após foi convocado a prestar
esclarecimentos no Parlamento acerca das suas denúncias. Não se fez de rogado,
lá compareceu e, com o dedo em riste, disse poucas e péssimas. Enfureceu a
ratatuia, mas encarou. Depois foi ao palácio do governo e devolveu a pasta, a
algibeira, o alforje, o alguidar, o vídeo da Al Qaeda, o folder da Al Jazera, o Ministério e o camelo alado; acrescendo um pôster de Che Guevara ao lado de Fidel
Castro, segurando um cálice com uma serpente enroscada ao longo da estrutura,
bebendo o conteúdo da taça.
Saindo do gabinete governamental
à praça pública, Cid Babá foi ovacionado por um clamor extraordinário que
incontável multidão extasiada levantava em seu louvor no espaço público. Logo
recebendo das mãos do povo o título laureado de Arquiduque de Quixeramobim e
Quixadá, que passou a acumular com o de Marquês de Carapicuíba. As eminências pardas do Palácio
Presidencial que assistiam a tudo ficaram apavoradas. Todavia, a mais nova e
honrada Potestade Nobiliárquica não se conteve de Felicidade e exclamou em prantos
de comovida emoção:
– Para mim jamais poderia haver
honra maior do que este título com que sou agraciado pelas vossas mãos. Eu que
aqui cheguei vindo de Aragão, sinto nas profundezas da minha alma árabe que é
muito mais Genoíno ser Arquiduque de Quixeramobim e Quixadá, além de Marquês de
Carapicuíba, do que ter sido aventureiro no Araguaia.
Prostrado no chão da praça
pública, elevou as mãos abertas para o Céu e jurou pelas glórias do Profeta
nunca mais deixar as Terras Benditas do Ceará do Padre Cícero Romão Batista para
aventurar-se por tramas e tramoias do turbulento Torrão de Santiago de
Compostela.
Serrinha, 29 de
março de 2015.
*PROFESSOR DE LITERATURA NO DEPARTAMENTO
DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA – UNEB. EM ECLIDES DA CUNHA.
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