Canudos à Contraluz Na Cultura Literária

CARLINHOS DA CACHOEIRA

CARLINHOS DA CACHOEIRA 
                                                                      por José Plínio de Oliveira*
  

                     
Há duas horas ou mais tempo, achava-se o ministro da Egrégia Corte trancado em sua sala de trabalho com importante representante do Planalto. O papo era aberto, descontraído e muito informal. Por isso, deu ordens ao chefe de gabinete para trancar a porta por fora e só abri-la mediante ordem expressa via interfone.


             – Dom Michel não tem que temer o Aranha! Sim... mas o Aranha é um assunto nosso aqui do Tribunal. Diga a ele que há muito mais razões para temer a Marcela do que o Aranha...

              – Excelência, e se ele pedir a premiada?

            – E qual é o problema? Vocês podem fazer o seguinte: procurem um ministro ou uma ministra aqui dentro que tenha mais afinidade e diálogo com o Planalto. Então vocês farão um “acerto”, de modo que o magistrado ou magistrada peça vistas do processo; aí leva dez, quinze, vinte anos. É algo análogo à PEC do teto dos gastos. E quando os autos forem devolvidos para o plenário; além de provável prescrição de pena presumida; pede-se o arquivamento por falta de provas. Você sabe que o pedido de vistas é uma estratégia jurídica para deixar impune a Aristocracia Delituosa de Colarinho Branco. Tal como sói acontecer em toda a história aristocrática do judiciário brasileiro. Lembre-se dos casos Daniel Dantas e Cacciola, por exemplo, este último foi burro porque ganhou um habeas corpus de bandeja, mas não “acertou” o resíduo da causa e foi dar a bobeira de ficar esnobando na Europa. Agora, veja o Daniel Dantas! Sabe quando ele vai para a cadeia? No dia de São Nunca... (Risos). Por que tu achas que o Lula tem lutado para sair das mãos do Sérgio Moro e ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal? É porque ele quer ser condenado? Por que a Dilma tentou lhe dar um cargo de ministro e um foro privilegiado? Era para ele pagar pelos crimes que cometeu? Ora, o PT nomeou a maioria dos ministros da Corte... Lembrai-vos de que naquelas gravações telefônicas que vazaram, nelas, o Lula chega a mandar falar com uma ministra do Supremo Tribunal Federal para “quebrar o galho”.

               – Da mesma forma o Aloísio Mercadante tentou negociar impunidades com um representante de possível delator da Lava-Jato, assegurando-lhe que falaria com um ministro do Supremo para favorecer ao indivíduo, caso ele se comprometesse a não revelar o que sabia das corrupções do governo do PT.

               – Mas é claro!  Porém, em que pesem as tragédias consumadas pelo PT, jamais poder-se-á negar que o Lula desmascarou o sistema, prostituiu-o e promiscuiu todas as estruturas do capitalismo e dos poderes constituídos, e anarquizou, e corrompeu as demais instituições do Estado de Direito. Veja que o PT chegou ao governo “acendendo uma vela pra Deus e outra para o diabo”. O vice de Lula foi o José Alencar, instrumento capitalista do Núcleo Duro do Regime Militar, e o vice de Dilma, o Michel Temer, data vênia, instrumento servil da oposição consentida daquele regime macabro. Entretanto, o Lula descobriu todas as fraturas ocultas no corpo do Estado e como adentrar por elas para desestruturá-lo e desestabilizá-lo. Da mesma forma como soube explorar como ninguém o cinismo endêmico e ridículo próprio das massas oprimidas deste país. Lembre-se de que ele contava piadas nas cerimônias oficias, falava de times de futebol, sexo e cachaça, entre outras banalidades. Ele mesmo inúmeras vezes em estado perceptível de embriagues, participando na condição de Chefe de Estado de eventos públicos relevantes, vociferando leviandades abjetas para um povo alienado e por esse ovacionado histericamente. É isso que cai no agrado fácil das massas manipuladas e justifica a fabricação do Mito Lula. Neste sentido, o Lula tem o mérito de ser um Grande Revolucionário. A despeito da revolução que a chamada Luta Armada contra a Ditadura Militar empunhou nos anos setenta do século passado, à força de balas e de ações terroristas, o Lula empreendeu uma outra revolução sem deflagrar um único disparo, sem projetar um único petardo; somente explorando as crateras obscuras do sistema e suas debilidades; assim como o cinismo torpe do povo pobre, excluído e explorado. Portanto, o Lula deixará um grande legado para as posteridades: a práxis revolucionária a partir do Terceiro Milênio deve trabalhar para erodir as estruturas fragilizadas do sociedade flagelada, dos poderes constituídos e capitalistas dentro de suas próprias entranhas. Dessa forma, a corrupção instituída é uma arma poderosíssima. Aliás, de algum modo, o Francis Fukuyama deixa isso muito óbvio.  

               – É... Acredito que as lutas sindicais do ABC, as brigas com Mário Amato e as experiências no parlamento fizeram de Lula um expert, um estrategista brilhante. O que não é o caso do Renan.

               – Veja o que o Renan fez agora! Renan é outro... Sabe quando ele vai ser julgado pelos crimes deploráveis que praticou?

               – Quando?

               – Dia de São Nunca! De tarde. Padilha, façam a mesma coisa que o Renan fez. Negociem rápido! Agora, não atribuam essa negociação ao Geddel mesmo apeado do poder. Geddel é safado! Imponham a própria força de Dom Michel.

               – Excelência, mas nesse caso, ele teria que passar a ser chamado de Dom Michel Miguel Lulia al-Assad...

               – E qual é o problema?

               – Ele teria que passar a reverenciar a memória do velho Hafez. O povo dele nunca se entendeu bem com aquela potestade.

               – Isso não é problema...   

               – Excelência, será que o Renan vai conseguir que peçam vistas dos mais doze processos que ele responde, até que todos atinjam a prescrição? Já pensou se o Renan perder o foro privilegiado, for condenado pela Justiça Comum, ficar preso no Complexo de Gericinó e ir para na Boca-do-Boi?

               – Aí é foda! Mas ele pode se dar bem, porque quem determina o comportamento da Justiça não é a Lei nem a Constituição Federal do Brasil, mas é o dono do Ministro do Tribunal! O cara que indicou a sua nomeação, presidiu ou participou da sua sabatina no Congresso Nacional e o empossou no cargo. Eu não tenho condições de presumir que o Renan seja condenado em algum dos doze processos que responde, por exemplo, o descumprimento dessa liminar que o afastaria da presidência do Senado é uma demonstração claríssima da força que ele detém e da confiança na sua impunidade. Renan é astuto, tem as bundas de muita gente na mão! Embora de bunda de bebê e cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair. Mas, de qualquer forma, o que é a Corte Suprema de Justiça? Um Tribunal de luxo para acobertar os crimes perpetrados pela nata da Aristocracia do Crime Organizado Oficial e propugnar por descalabros. Veja agora, por exemplo, essa questão da legalização do aborto de uma vida humana já no terceiro mês de desenvolvimento biológico. Isso é o absurdo dos absurdos! Como é que um Ministro do Tribunal, ativista gay e militante inveterado LGTB defende uma desgraça dessas? Se os gays têm necessidades de mais nascidos para satisfazerem as suas taras abjetas de pedofilias! Eu, pessoalmente, como jurista que sou, respeito a todas as orientações sexuais dos indivíduos; embora não estimule algumas delas; da mesma forma que respeito a orientação sexual de uma mulher que engravida do seu parceiro, muito embora ele não assuma as responsabilidades de pai. Portanto, o meu convencimento é de que a justiça trabalhe nesta perspectiva, jamais legalizando o aborto como solução do problema da irresponsabilidade paterna. Porque isso vai matar muitas mulheres e muitos nascituros.

               – É uma segunda pena de morte, além da que integra a legislação militar. Porque a macabra decisão sobre o aborto prescreve inclusive que a mulher se submeta à prática do aborto em hospitais públicos. Será que os gays querem dizimar a população feminina para ficarem absolutos? Excelência, o governo atual enfrenta hostilidades, baixos índices de popularidade e outras investidas porque não tem condições de financiar pedofilias, orgias de gays e lésbicas, e outras depravações com recursos do erário público, assim como fizeram os governos anteriores. Primeiro porque o Brasil não tem dinheiro para fazê-lo, depois porque não há dispositivo constitucional que autorize o governo a tais procedimentos. Pensamos recentemente que se este governo tivesse apresentado a polêmica PEC do teto dos gastos públicos como forma de garantir financiamentos para ideologias de gênero, orgias homossexuais, pedofilias e demais desregramentos execráveis por um prazo de vinte anos, estaríamos agora sendo aplaudidos em cada esquina e com índices de aprovações e popularidades elevadíssimos, jamais alcançados por um governo de estado em qualquer lugar deste Planeta. Foi um grave erro o governo não haver acenado nessa perspectiva, para favorecer aprovações de projetos polêmicos; inclusive o da Previdência Social. Agora o governo já sabe que para aprovar qualquer projeto, por mais polêmico e impopular que seja, basta acenar com apoio financeiro para LGTB, ideologia de gênero, paradas gays, pedofilias, orgias homossexuais e outras devassidões. Nós pensamos como Vossa Excelência; nenhum membro do nosso governo questiona ou combate a orientação sexual de toda e qualquer pessoa. O Estado Brasileiro não tem competência constitucional para tutelar ou impor a orientação sexual de quem quer que seja. E também o Brasil não tem é dinheiro para financiar práticas daquela natureza. Estamos com problemas gravíssimos para assegurar tratamento mínimo a doentes de câncer, por exemplo, assim como não dispomos de recursos financeiros para atender a demandas humanas portadoras de enfermidades degenerativas e tantas outras realidades de riscos de mortes. A nossa rede pública de saúde está agonizando, estamos fechando hospitais e clínicas, demitindo pessoal especializado e não temos condições de pagar a rede privada conveniada que já está deixando de atender a pacientes em estado gravíssimo... E como se não bastasse, surge agora esta questão do Aranha.  

               – Isso é uma desgraça! A saúde pública está falida, não tem condições de fazer um simples curativo em um paciente por falta de recursos humanos e materiais básicos. Como é que uma porra dessas vai provocar um aborto em uma adolescente, por exemplo? O Anthony Garotinho teve que ser resgatado da rede pública para não morrer à míngua, e foi governador do Rio de Janeiro. Não obstante toda a paparicação médica que recebeu no Souza Aguiar, se ficasse lá por mais um dia teria morrido. Agora, imagine uma menina negra, moradora do Morro da Providência, jogada em uma maca enferrujada e imunda nos corredores infectados daquele hospital, para ser submetida a uma prática de aborto, porque um juiz gay quer eximir o seu Bofe traficante das responsabilidades de pai. Qual é o jogo que a justiça quer fazer com a sociedade brasileira?    

               – É esse o nosso temor, porque se a justiça tem o poder de fazer esse jogo, pode fazer jogo mais sujo ainda com um governo que não cede aos seus interesses escusos. Ora, de um lado a justiça escancara para a degradação humana e do outro pode arrebentar com a postura de um governo honrado. Também preocupa a experiência do Mensalão, porque tudo estava acordado para que ninguém fosse condenado. E agora vem essa do Aranha, da Lava-Jato. O Odebrecht poderá abrir a boca nos próximos dias com a premiada...

               – E o que tem isso? Em primeiro lugar, quero que saibas que o julgamento do Mensalão só veio a ocorrer pela força do pulso do Barbosa. Por muito pouco não houve troca de tiros no Plenário do Supremo. Há muitos jogos de interesses, meu caro. Eu já te disse: o que quer que o Aranha, o Odebrecht ou qualquer outro delator venha a declarar numa premiada sobre autoridades constituídas, esbarra no foro privilegiado. Entendeu? E o foro privilegiado, na pratica, é o homizio de bandidos de altíssima periculosidade, mas detentores de poder. Entendeu?

               Mas, ainda assim, o emissário do Palácio demonstrava grandes preocupações:      
               – Mas, Excelência, e se o Aranha também alcançar a premiada, no mínimo, será um grande escândalo na imprensa...

               – E daí? O que isso pode fazer contra o Dom Michel? Meu filho... Diga ao Michel para agir rápido, entendeu? Agir o mais rápido possível. Fazer um bom “acerto”, nesse caso, é um excelente negócio. Quem tem foro privilegiado, tem impunidade assegurada independente de qualquer estardalhaço por parte da imprensa. Não tendo foro, é Moro!

               – E aí é foda.

               – Mas em se tendo foro, não se tem Moro!   

               – E se entra a Lava-Jato?

               – E o que tem isso? A Lava-Jato só fode o cara que não tem foro. Eu vou te contar a história da Lava-Jato para que isto fique mais claro: quando ocorreu aquele episódio do Paulo Preto na campanha do Serra, transpiraram informações de que por trás do Paulo Preto havia uma rede de doleiros a serviço do PSDB que lavava enormes volumes de dinheiros para financiar as campanhas do partido. Então o PT ficou apavorado partindo da seguinte convicção: ora, o PT tinha pretensões de governar o Brasil por pelo menos trinta e cinco anos, e para isso tinha que consolidar uma base financeira poderosa, robusta e inexaurível. Para tanto passou a extorquir empresas privadas, saquear bancos públicos, assaltar a Petrobrás e outras empresas do governo. Certo de que essas práticas jamais seriam descobertas, até pelas estruturas de proteção e blindagem que o governo do PT petrificou sobre tais ações. Para maior segurança, o PT atribuiu ao Jorge Zelada o zelo dos sigilos dos assaltos praticados contra a Petrobrás, mantendo-os nos labirintos mais obscuros do jazigo perpétuo do silêncio marmóreo. No entanto, parece que o Zelada não zelou bem desses segredos ou negligenciou-os quando prefeituras municipais ligadas ao PT passaram a ser literalmente saqueadas; observe que o Celso Daniel foi assassinado naquele contexto. Tudo sob o mais absoluto sigilo pétreo. Veja que até os recursos milionários dos programas sociais de que o governo do PT se ufanava de ter implementado para erradicar a pobreza extrema passaram a ser fraudados e remunerados a empresários, pessoas já falecidas, políticos e seus parentes, e até a indivíduos que jamais existiram além do papel. Ora, partindo do convencimento de que o PSDB já contava com os cofres da FIESP; além de uma demanda respeitável de doleiros experientes e astutos lavando dinheiro sujo, além daquelas denúncias de corrupções no Metrô de São Paulo, nas malhas viárias e outras obras públicas, o PT ficou desesperado. Para os caciques do PT, com tal estrutura econômico-financeira, o partido de Fernando Henrique, Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves tornar-se-ia invencível, se o PT deixasse. O Lula ficou transtornado. O que fazer? Foi aí que levantaram a ideia de pegar o rabo de Paulo Preto para descobrir as fontes de corrupções, acobertar os crimes perpetrados pelo PT e arrebentar com o PSDB, ou melhor, exterminar o partido adversário, apaga-lo da memória política do Brasil, investigando e denunciando aquelas práticas. O Serra foi de um hipocrisia terrível naquele momento, declarou à imprensa não conhecer Paulo Preto, nem saber que o Paulo Preto arrecadava dinheiro para sua campanha e ainda não saber que a filha de Paulo trabalhava no cerimonial do Palácio dos Bandeirantes; sendo ele, Serra, governador de São Paulo. O cinismo do Serra emputeceu o PT e o Lula montou toda a estrutura gigantesca de investigação sofisticada e punição implacável do partido adversário e seus líderes. A Polícia Federal e o Ministério Públicos foram aparelhados e fortalecidos ao extremo...

                – Tudo isso para destruir o PSDB?

                – Para arrebentar com o PSDB... E eu te digo mais: nunca a Polícia Federal e as demais potências investigativas do Brasil ganharam tanto poder e aparelhamento sofisticado quanto nesta perspectiva. Além disso, foram instituídos os mecanismos jurídicos de delações premiadas, leniências e demais instrumentos institucionais eficientes e infalíveis, de tal maneira que os rumos das investigações se tornassem irreversíveis, isto é, que nenhum poder ou órgão fosse capaz de estagnar, ou interromper os rumos das investigações em curso. Isto é, todos os mísseis burocráticos do governo do PT, protegidos por uma fortaleza inexpugnável, estavam direcionados para o partido de Fernando Henrique. Entretanto, ocorreu aquele “acidente pavoroso” e os investigadores chegaram àquele posto de gasolina aqui em Brasília que abrigava o Lava-Jato disfarçado da quadrilha, que fazia a assepsia do dinheiro roubado por políticos e empresários ligados ao governo do PT, e revelava os documentos manipulados por Zelada. Foi então que a bomba estourou nas mãos do PT e ele não podia mais conter o ritmo implacável dos estampidos da aparelhagem investigativa que ele articulou para foder com a vida do outro. Foi algo semelhante àquele episódio do Riocentro.

                – Mas, inicialmente circularam informações de que vindo à tona o Lava-Jato de Brasília, o Lula chegou a suspeitar de que o Alberto Youssef fosse um agente duplo, também ligado ao esquema de Paulo Preto, e então mandaram sentar a pua com mais força ainda...

                – Sim... Porque o Youssef era um doleiro profissional a serviço de qualquer partido político e qualquer facção. Mas, todavia, quando pegaram o rabo de Youssef chegaram a Paulo Roberto Costa, Cerveró, Barusco e companhia limitada. Foi aí que o doleiro baruscou e entregou todo o restante da organização criminosa, comprometendo o governo do PT. Creio que tu te recordas de que quando o Juiz Sérgio Moro decretou as prisões dos envolvidos na Lava-Jato, ficando evidentes as relações deles com o governo corrupto, logo foi concedido um habeas corpus colocando todos em liberdade, inclusive Youssef e sua lugar-tenente Kodama. A Operação Lava-Jato ia perecendo no nascedouro e todos seriam inocentados, processos anulados, arquivados e a roubalheira continuaria acobertada pela Lei. O jogo era esse! Eu percebi isso aqui dentro! Então, a Justiça Federal do Paraná relatou ao Supremo suspeitas de envolvimentos de alguns dos indiciados com o narcotráfico internacional; somente assim foi possível a revogação do instrumento de libertação e impunidade dos acusados. O rabo do PT foi para a rua!

                – Porra! O PT queria pegar o rabo do PSDB e terminou se enroscando no seu próprio rabo.

                – É isso aí: “quem tem telhado de vidro, não joga pedra pro alto”.

                – Nunca se roubou tanto neste país!

                – Padilha, pensando em termos, a Ditadura Militar roubou muito mais que o PT! Ocorre que tínhamos uma imprensa amordaçada, um parlamento relegado ao recesso forçado todas as vezes que os militares decidiam assaltar os cofres públicos, uma população amedrontada, torturada, violentada, seviciada, assassinada covardemente, um judiciário acovardado, servil, submisso e uma Constituição prostituída.

                – Lembro-me ainda de que quando o general Figueiredo foi a Pequim implorar o reatamento de relações diplomáticas entre Brasil e China, para favorecer aos interesses dos Estados Unidos da América. Os chineses receberam a delegação do governo brasileiro com a mais elevada civilidade, cordialidade, distinção, diplomacia e respeitável reverência. Mas, todavia, na reunião preliminar, o governo da China exigiu que o Brasil devolvesse dólares roubados de funcionários do governo chinês, presos na Central do Brasil e assaltados nas dependências do quartel-general do então Primeiro Exército, no Rio de Janeiro; no início do Golpe Militar do Brasil; condição sine qua non para que aquele país pudesse iniciar as negociações diplomáticas com o governo brasileiro. Um diplomata de carreira, meu parente próximo, que tomou parte na comitiva, convidado a integrá-la por indicação do Itamarati, por ser especialista em Cultura Oriental, falou-me da vergonha humilhante que padeceu naquele momento crucial da humilhação execrável que carregou por toda a sua vida; padecendo de grave depressão. Pouco antes de falecer; estando eu à cabeceira do seu leito de dor; balbuciou-me suas últimas palavras: “o Brasil é um país descarado”.      

                – Mesmo quando usa uma máscara de Social Democracia! Você pensa que o governo de Fernando Henrique roubou menos que os de Lula e Dilma? De jeito nenhum! É certo que o governo de Fernando Henrique não foi tão troglodita quanto os militares brasileiros que assaltaram os chineses dentro do Palácio do Exército, mas também foi ladrão! Acontece, porém, que a corrupção de Fernando Henrique foi uma corrupção elegante, ornamentada com um discurso sócio-político requintado, uma masturbação sociológica muito bem punhetada, muito bem gozada... Você pensa que o Fernando Henrique defende a legalização das drogas porque quer o bem do povo brasileiro? Claro que não! O próprio Fernando Henrique chegou a declarar que “a ética na política é relativa”. Na putaria é austera! Daí se depreende; no panorama do crime hediondo e da corrupção; a diferença entre o pensador acadêmico aristocrático, astuto, sagaz e o intelectual orgânico proletário, promíscuo, populeiro, fanfarrão, ganancioso, avarento e beberrão. Esta é a diferença pontual entre Fernando Henrique e Lula. Ora, o Fernando Henrique vem da Universidade e a universidade brasileira manipula um método sagaz com que vai apagando, eliminando todos os vestígios e indícios dos seus crimes de corrupções, na medida em que rouba, em que saqueia o erário público. Também escudando-se em uma pretensa autonomia universitária bizarra, que possibilita às suas práticas de corrupções, fraudes, peculatos, prevaricações e outros delitos graves transitarem ao largo do crivo da Lei. É muitíssimo difícil, se não impossível, investigar crimes de corrupções nas universidades do Brasil. Você não encontra o mais tênue indício de crime. As universidades brasileiras sabem relativizar a corrupção de tal forma que ela se torna norma institucional nos seus interstícios administrativos. Veja por exemplo, em uma situação epidêmica neste país a Universidade leva cinco anos ou mais para encontrar uma vacina, mas não carece de cinco minutos para anular definitivamente provas robustas e pensadas irrefutáveis dos seus crimes de corrupções; entre outros tantos. Mas não é somente na política e na Universidade que “a ética é relativa”, é também na justiça, no governo, na educação, na economia, na religião, na administração pública de modo geral, na cidadania, no eleitorado, no cotidiano da vida. Portanto, a dialética da corrupção não pode prescindir do debate sobre o papel do cidadão eleitor, também, que é o principal responsável por todos os “acidentes pavorosos” que ocorrem nas políticas do Brasil. Será que assim o Brasil poderia mudar para melhor? A cultura eleitoreira foi a principal responsável pelos descalabros perpetrados também pela política do Lula que afetou o Brasil em todas as áreas.

                – Não obstante, há algo que venho pensando, o Lula nos deu o outro Brasil dentro do Brasil que os nossos olhos sabiam, os nossos ouvidos ouviam, mas os nossos lábios não conseguiam exprimir; tivemos que edificar um Sérgio Moro para que a palavra do Brasil tentasse assumir uma ética “relativa”. Agora, tem uma coisa...

                – O que é?

                – O Lula rasgou o Manifesto do Partido Comunista, dilacerou os discursos de Engels e Marx, e provou que no Brasil nem comunismo, nem Ditadura do Proletariado, nem socialismo, nem ditadura de qualquer natureza podem dar certo! Aliás, falaram-me certa vez sobre um texto em que Marx adverte para o fracasso do comunismo se propagado no Brasil. Por outro lado, o PT deixou muito óbvio que Ditadura Militar, repressão política, torturas, sequestros, assassinatos, roubos e fraudes não são necessários para reprimir ideologias marxistas ou leninistas no Brasil. Basta colocar líderes dessas demandas de esquerda no poder e eles mesmos se encarregarão de destruí-las, e o farão deteriorando ideologias progressistas históricas na lama abjeta da corrupção. Dá pra acreditar que o Lula comandou as greves do ABC e que o Zé Dirceu liderou o Congresso Estudantil de Ibiúna? Que o José Genoíno atuou na Guerrilha do Araguaia e que o Fernando Pimentel combateu na chamada Esquerda Revolucionária, por exemplo? Eric Hobsbawm e Félix Guattari enalteceram o PT sobremaneira, e personalidades exponenciais do Brasil como Hélio Bicudo e Dalmo Dalari acreditaram no Partido dos Trabalhadores, auxiliando-o juridicamente na sua organização e legalização, entretanto, o PT calou todas essas vozes impondo-lhes o silêncio da vergonha. Os gaúchos Olívio Dutra e Tarso Genro deixaram Brasília sob os ônus da vergonha abominável, tiveram que partir às pressas para os Pampas, para tomar um chimarrão amargurado. Dois grandes gaúchos, experimentados nas coxilhas políticas do Rio Grande do Sul, hoje se acham alquebrados. Mas, se a salvação vem do Sul, a voz do Sérgio Moro elevou-se agora sobre os escombros da vergonha nacional.

                – Neste sentido, o Sérgio Moro não é uma personalidade estritamente sulista, é a expressão da Alma do Brasil! Inegavelmente, é uma figura Brasileiríssima. Você olhando para o Sérgio Moro, circulando pelos espaços da justiça ou em outro qualquer ambiente público não vislumbra o perfil aristocrático, estético, canônico, magistral, clássico, austero de um Juiz de Direito, mas a figura de um Vaqueiro que tanto você encontra na feira-livre de Montes Claros, quanto no Sertão de Canudos. Ele está presente tanto no Grande Sertão, de Guimarães Rosa, quanto em Os Sertões, de Euclides da Cunha.

                – É verdade! Risos.      

                – Teria algum jeito para o Brasil?

        – Veja, a questão é a seguinte: nós somos uma porção de uma pretensa humanidade que se acha a trilhões de quilômetros luz de uma verdadeira Civilização Humana. O nosso tecido social aristocrático é truculentamente troglodita. Do ponto de vista sócio civilizatório propriamente dito, nós somos a antítese diametralmente oposta de tudo o que pode ser considerado propriamente humano neste mundo. Não há avanço científico, tecnológico, filosófico e desenvolvimentista no mundo que no Brasil não se torne material grotesco, portanto, eu não sei se o Brasil tem jeito. O que eu sei sinceramente neste contexto trágico em que vivemos é que o Brasil é um país vagabundo! O meu convencimento é que é tempo de murici, cada um cuide de si!                       
                Alguém acionou um breve sinal eletrônico, pedindo autorização para adentrar à sala, o ministro fez com a mão uma concha em torno do fone e depois conclui o assunto com o Homem do Planalto. Despediram-se.

               – Qualquer coisa, eu estou aqui. – tirou o fone do gancho e sentenciou: Pode entrar!

               Era o chefe de gabinete, trazendo nas mãos uma valise negra.

               – Conferiste?

               – Já... Mas é bom Vossa Excelência repassar.

               – Deixe aqui em cima! Vou fazê-lo.

               – Ele mandou avisar que o nome do homem a ser posto em liberdade está escrito em um pequeno papel no fundo da valise. Com licença...

               – Ok! Logo estará.

               O ministro abriu a maleta, e logo que os seus olhos baços pousaram sobre os maços de cédulas novíssimas, cheirando a flor de cunho, passaram a brilhar como pepitas de diamantes. Levantou-se, trancou a porta do gabinete, deitou a chave em uma gaveta e foi sacando os maços de dinheiro com um ar voluptuoso próprio de um Velho Capo da Cosa Nostra.

               Finalizada a contagem do dinheiro, o magistrado não encontrou mais o papel com o nome do interno a ser libertado. Vasculhou todo o espaço e nada. A hora avançava, não tinha tempo a perder. Foi à gaveta, tomou a chave, abriu a porta, chamou o chefe de gabinete e ordenou que lavrasse um habeas corpus libertando todos os prisioneiros das Facções de interesse que se achavam recolhidos a presídios de segurança máxima. No final da tarde assinou o documento, no meio da noite o Borel explodiu em festa, mas o Dono do Morro estava em outra comunidade cercado de sigilo. Naquele momento ele planejava assaltar um quartel do exército na Avenida Brasil, na calada da noite, para trazer um tanque de guerra com farta munição, baseando-o na parte mais alta do morro, para “arrebentar” com “caveirões” e helicópteros da polícia.

               Pagode, Partido Alto, Roda-de-Samba, Balada e tudo o que a galera tem direito; e logo na manhã seguinte parte do comando do Morro se reuniu para começar a deliberar sobre a festa de recepção aos “mano” na quadra da Unidos de Vila Isabel. Todavia, quando o Chefão chegou muito cedo, ocupou-se logo em atender ao seu povo, ainda alheio às novidades. Uma filha desesperada pedia ajuda para comprar remédios para o pai canceroso, porque o hospital do Estado estava sem a medicação; o “Homem” chamou um assessor e determinou que o enfermo fosse imediatamente hospitalizado em uma clínica particular especializada na área e situada no Alto da Boavista. A diretora da creche veio comunicar que ia suspender as aulas porque faltou merenda para as crianças, e a Secretaria de Educação informou que o governo não tinha recursos para suprir as necessidades da escola; o “Homem” determinou a contratação imediata de uma empresa para fornecer alimentos de qualidade, para que as aulas não fossem suspensas. Uma mãe desesperada veio queixar-se de que um indivíduo tentou abusar sexualmente de uma filha menor de idade, portadora de necessidades especiais; logo o Dono do Morro mandou executar o sujeito, esquartejá-lo e colocar as partes do corpo na entrada do Morro com um cartaz: TARADO, ESTUPRADOR E PEDÓFILO. Um pai idoso, inconsolável e em prantos adentrou à sala, pedindo por um filho membro do CV que se achava preso em Manaus, ameaçado de morte pela Família do Norte. O Chefe determinou a um dos assessores que entrasse imediatamente em contato com a Desembargadora Encarnação para liberar o “mano”, também mandando providenciar passagem de avião e dinheiro para que ele voltasse para casa. Por último, chamou a secretária e procurou informar-se sobre a Cesta de Alimentos, a ser distribuída entre as famílias mais pobres da comunidade.

               – Quero que seja bem farta e com produtos de primeira qualidade.

               Na verdade, as práticas de corrupções, omissões, injustiças e outras tantas atrocidades perpetradas pelo Estado de Direito Democrático contra as populações periféricas de morros e favelas fortalecem as lideranças alternativas que suprem as deficiências e omissões das Instituições Constituídas nos âmbitos daquelas comunidades. Portanto, atendidas as demandas sociais da responsabilidade do Estado de Direito, o Dono do Estado de Fato passou a tomar conhecimento das libertações dos aliados ainda de forma muito superficial.        

               – Porra! O que foi que aconteceu parceiro?

               O Dono do Morro caiu na gargalhada quando os fatos lhe foram relatados com mais clareza. Todos os líderes de facções considerados de altíssima periculosidade que se encontravam em presídios de segurança máxima e regimes disciplinares diferenciados estavam agora em liberdade.

               – Cara, isso me leva de volta à infância. Meu pai foi levado para a Décima Quarta DP no Leblon. A gente morava na Cruzada de São Sebastião. Os “home” chegaram de metralhadora e o caralho, algemaram meu pai, bateram na minha mãe e roubaram a TV em que eu e minha irmãzinha assistíamos o Sítio do Pica Pau Amarelo. Minha irmãzinha tinha cinco anos e atracou-se com a TV para os tiras não roubarem. Eles chutaram a menina pelo chão, machucaram-na e ainda roubaram também os nossos mantimentos. Foi aí que a minha avó veio e levou a gente para Cacheira de Macacu...

               – Foi lá que você virou Carlinhos da Cachoeira...

               – É... Depois eu virei Bicho Solto. Carlinhos da Cachoeira! Da Cachoeira de Macacu, brother... Minha vó levou a gente, mas meu pai ficou em cana. Mas tinha um cara preso lá que era amante da chacrete Índia Potyra. Então ela armou com um juiz para soltar o homem dela. O juiz esqueceu de pegar o nome completo do preso e quando chegou no Tribunal se atrapalhou e expediu um alvará de soltura libertando todos os presos. O xadrez da Décima Quarta ficou vazio. Até terroristas que estavam aguardando transferência para o DOPS foram soltos. Foi um auê do caralho com os militares.

               – Teu velho voltou pra tranca?

               – Porra, jamais! Meu pai saiu saído. Deu um tempo em Minas, depois voltou pra cá. Meu pai caiu no Morro do Dendê, num confronto com os rivais da Falange. Aí eu fui estudar direito na UFRJ, mas quando fui exercer a profissão descobri que a realidade dos Tribunais de Justiça do Brasil é muito mais suja do que a da marginalidade; então eu preferi voltar a assumir esta parada. É muito mais limpa.

               O grupo conversava animadamente quando chegou apressado um dos líderes da mais elevada confiança.

               – Aí manos! Suspende tudo aí... Sujou geral, o Paulo Bernardo tá na rua!...
               Desassossego e alvoroço.

               – Porra Mano! O Aranha, o “Assaltante de Aposentados”? Na rua é o maior perigo. Como foi isso?

               – O Toffoli liberou um Habeas Corpus pra ele.

               – Porra, aquele bagulho só faz merda...    
  
           Logo passaram a chegar outros membros da facção, apreensivos e transtornados com a notícia.

               – O que fazer agora?

               – Manda avisar a todas as Bocas e cobrir todas as bases de produções, manda botar na Torre logo para alertar a galera. Vamos nos distribuir pelos pontos estratégicos e mandar descer os materiais pesados para reforçar a segurança. Jogo rápido! O jeito é estabelecer uma trégua e unir todas as facções, porque todo mundo tá correndo perigo com esse cara na rua!

               – Quanto o Capa Preta levou para liberar nossos manos?

               – Cento e setenta mil.

               – Manda logo oferecer o dobro pra ele cassar o Habeas Corpus que o Toffoli deu e meter o Paulo Bernardo ainda hoje.


   
                                                       Serrinha, 27 de janeiro de 2017.



*PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB. EM EUCLIDES DA CUNHA.

        

              

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