O FUTURO DO DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE EUCLIDES DA CUNHA E NA REGIÃO DO SERTÃO DE CANUDOS.
O FUTURO DO DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE EUCLIDES DA CUNHA E NA REGIÃO DO SERTÃO DE CANUDOS.
por José
Plínio de Oliveira*
Povoadas desde eras remotíssimas
pelos Índios das Nações Kaimbé e Kiriri, ramos da etnia Tupiniquim, as terras do antigo Cumbe, atual município de Euclides
da Cunha, foram palmilhadas no início da colonização do Brasil por aventureiros,
bandeirantes, degredados, escravizadores, sertanistas, mineradores,
missionários, catequistas, caçadores de esmeraldas, tropeiros e vaqueiros. Os
últimos colonizadores com atuação mais intensa nas terras desta imensa região
do Sertão de Canudos agiram sob as
ordens de Garcia D’Ávila; o truculento senhor da Casa da Torre; quando da ocupação de Massacará, antiga Aldeia
Kaimbé que veio a transformar-se mais adiante em uma das Missões Jesuíticas
mais antigas da América Latina. Foi em Massacará que o colonizador Garcia
D’Ávila, apontado como filho bastardo do governador-geral do Brasil na época,
instituiu uma aparelhagem ideológico-burocrática com aval do governo, visando a
uma base estratégica de ocupação e dominação radical, para avançar sertão
adentro.
A aparelhagem ideológica
articulada pelo senhor da Casa da Torre –
no sentido da presença do Estado em Massacará – possibilitou, inicialmente, a
vinda dos frades capuchinhos para o trabalho catequético na antiga aldeia. Logo
empenhados na conversão dos gentios,
os índios, aqueles frades legaram uma memória oral ainda sustentável nas
culturas dos povos indígenas deste sertão. Dentre aqueles religiosos,
destaca-se a pessoa do Frei Apolônio de Todi, de origem italiana, sempre
lembrado como trabalhador e peregrino incansável em favor dos povos nativos, em
que pesem as restrições impostas pelo governo da colônia. A propósito,
mencionado por Euclides da Cunha como “o maior apóstolo do Norte”, Apolônio de
Todi foi também o primeiro pedagogo em ação nestas terras coloniais, por
exemplo, empunhando a cruz, o rosário e o breviário – as primeiras tecnologias
da aprendizagem postas em prática neste sertão –, que tirou das páginas do
livro sagrado as primeiras letras proclamadas aos corações abertos dos povos
indígenas desta parte da América do Sul, e ainda nas letras inspirado transformou
a grotesca e íngreme Serra de Piquaraçá em Monte Santo na metáfora viva do
Monte Calvário.
Naquele contexto histórico, Massacará,
hoje parte integrante do município de Euclides da Cunha, teve um papel
preponderante na perspectiva da proclamação das letras educativas nesta parte
do sertão baiano, dialogando com as linguagens indígenas. Porque os capuchinhos
pioneiros e peregrinos na Missão de Massacará não se opunham reiteradamente às
culturas dos negros da terra, os
índios, senão a catequese teria sido comprometida logo de início. Mais adiante
os frades capuchinhos foram substituídos pelos jesuítas eruditos e educadores
por excelência, e parece que os índios que resistiram enquanto foi possível à
sanha implacável de Garcia D’Ávila abriram as suas inteligências e os seus
corações à erudição canônica dos padres jesuítas. Entre os notáveis
missionários e educadores jesuítas, figura o Padre Gabriel Malagrida, este da
mesma origem italiana do capuchinho Apolônio de Todi, também peregrinou por
estes sertões de ponta-a-ponta, apreendendo todas as línguas indígenas,
trabalhando na Missão de Água Fria e, a partir desta, prestando assistência a
índios e não-índios em terras da atual cidade de Tucano. Dessa forma, Gabriel
Malagrida teve o mérito de comprovar que a Educação somente se desenvolve e
produz frutos a partir de relações éticas, morais e dialógicas com o outro em
sua cultura, em seu universo de afirmações vitais. Por isto, no interesse da
educação cristã dos povos nativos do sertão baiano, os missionários jesuítas construíram
um espaço conventual em Massacará, destinado aos estudos e à formação
intelectual em terras do Brasil, mas o convento foi demolido pelos mesmos
padres e todo o acervo bibliográfico levado para a Europa quando expulsos daqui
do Brasil pelo Marquês de Pombal, então primeiro-ministro de Portugal. Nesta
perspectiva de leitura, fica muito obvio, também, que o homem branco culto,
educado, civilizado, pacífico, solidário e cortês parece não haver constrangido
os povos indígenas do Sertão de Canudos.
Convém lembrar que para o índio:
O homem branco é muitas vezes, no mito,
um mutante indígena, alguém que surgiu do grupo. Frequentemente também, a desigualdade
tecnológica, o monopólio de machados, espingardas e objetos manufaturados em
geral, que foi dado aos brancos, deriva, no mito, de uma
escolha que foi dada aos índios. Eles poderiam ter escolhido ou se
apropriado desses recursos, mas fizeram uma escolha
equivocada.
Os Krahô e os Canela, por exemplo, quando lhes foi dada a opção, preferiram o arco e a cuia à espingarda e ao prato. Os exemplos dessa mitologia são legião: lembro apenas, além dos já citados, os Waurá que não conseguem manejar uma espingarda que lhes é oferecida em primeiro lugar pelo Sol (Ireland, 1988, p.166), os Tupinambá setecentistas do Maranhão cujos antepassados teriam escolhido a espada de madeira em vez da espada de ferro (Abbeville, 1975 [1612], p. 60-1).
Para os Kawahiwa, os brancos são os que aceitaram se banhar na panela fervente de Bahira: permaneceram índios os que recusaram (Menéndez, 1989). O tema recorrente que saliento é que a opção, no mito, foi oferecida aos índios, que não são vítimas de uma fatalidade mas agentes de seu destino. Talvez escolheram mal. Mas fica salva a dignidade de terem moldado a própria história. (CUNHA, 1992, p. 18 – 19).
Os Krahô e os Canela, por exemplo, quando lhes foi dada a opção, preferiram o arco e a cuia à espingarda e ao prato. Os exemplos dessa mitologia são legião: lembro apenas, além dos já citados, os Waurá que não conseguem manejar uma espingarda que lhes é oferecida em primeiro lugar pelo Sol (Ireland, 1988, p.166), os Tupinambá setecentistas do Maranhão cujos antepassados teriam escolhido a espada de madeira em vez da espada de ferro (Abbeville, 1975 [1612], p. 60-1).
Para os Kawahiwa, os brancos são os que aceitaram se banhar na panela fervente de Bahira: permaneceram índios os que recusaram (Menéndez, 1989). O tema recorrente que saliento é que a opção, no mito, foi oferecida aos índios, que não são vítimas de uma fatalidade mas agentes de seu destino. Talvez escolheram mal. Mas fica salva a dignidade de terem moldado a própria história. (CUNHA, 1992, p. 18 – 19).
Então, o que pensar agora no
interesse do desenvolvimento da Educação Escolar dita contextualizada nestas plagas
remotas do sertão da Bahia, na fase histórica em que nos encontramos? Ora,
aprofundando-se uma arqueologia de saberes culturais e históricos, o município
de Euclides da Cunha e a imensa região do Sertão
de Canudos devem e podem tomar consciência da necessidade premente de
oferecer uma educação pública de reconhecida e primorosa qualidade; sem outra
escolha de interesse meramente político-partidário, em detrimento do pedagógico.
Principalmente considerando a escalada da violência epidêmica que envolve jovens
e adolescentes, à margem de um trabalho de inclusão social mais efetivo, mais
plenamente educativo. Para tanto, quiçá, aprofundando-se o debate sobre a
escolha de uma Pedagogia Inclusiva. O fato é que os indivíduos jovens em
situações de vulnerabilidade e de abandono por parte do Estado podem vir a
atentar de maneira drástica contra a sociedade já sob ameaça constante. Neste
sentido, a categoria “escolha”, com que nos defrontamos agora, por exemplo, na
perspectiva do pensamento sobre as populações indígenas históricas da área de
influência mais direta do Sertão de
Canudos; principalmente os povos Kaimbés e Kiriris; tenha sido muito mais
uma tomada de consciência ético-cultural, aos olhos de hoje, do que “uma
escolha equivocada”. Portanto, os municípios da área deste imenso Sertão de Canudos não podem equivocar-se
quanto a uma tomada de consciência pedagógica, política e ética voltada para a
Educação Escolar, assim como os índios nos legaram uma consciência ética quanto
a suas culturas míticas de reconhecido valor educativo nos seus contextos
históricos. Então, como labutar com uma escola pública contemporânea que matricula
tantas demandas humanas periféricas; agora de origem afro-indígena, mas que não
toma consciência da realidade concreta desses atores sociais e, por isso, pode cometer
tantos equívocos pedagógicos em detrimento do desenvolvimento integral do
público educando, não obstante a parafernália cibernética e tecnológica supra
indígena que o mundo atual oferece à escolha da Educação Escolar do Estado?
O Estado faz propaganda enganosa
dos recursos tecnológicos destinados à Educação Escolar, mas nem sempre esses
recursos chegam à escola rural periférica do negro, do pobre, do oprimido. E
quando chegam são de tão má qualidade – em consequência de licitações
corrompidas, superfaturadas e falta de manutenção desses equipamentos – que
funcionam por muito pouco tempo, logo ficando amontoados em algum canto de sala
de aula desativada; transformando o espaço pedagógico literalmente em depósito
de mobiliário destroçado, materiais impressos descartados e lixo eletrônico. Este
último representa grave risco de manipulação perigosa por parte de indivíduos com
histórias de jovens e adolescentes infratores. Como pensar uma escola pública
em que gestores e gestoras são obrigados a assinar recebimentos de materiais
que jamais chegam ao estabelecimento; somente visando à permanência no emprego
e no cargo?
O dilema da gestão lacaia do mando
político é crucial no interior do Estado da Bahia e causa danos irreparáveis
para o desenvolvimento da educação pública, também porque ela negligencia de
forma deplorável para com os princípios elementares que poderiam favorecer à
formação integral do cidadão. Será que o fato de a escola pública atender
predominantente a demandas sociais periféricas pobres, remanescentes de negros,
índios e etc. faz com ela negligencie e faça pouco caso dos recursos científicos
propalados pelo Estado e boicotados pela corrupção endêmica e hedionda que
deplora qualquer sistema de educação escolar? Neste caso, é imprescindível
refletir, também, sobre o papel do docente que de forma implícita ou tácita faz
parte do sistema escolar delituoso.
O docente desmotivado,
desinteressado, omisso, silencioso e acovardado por medo de perseguições por
parte das Secretarias de Educação, retaliações, remoções para unidades mais
distantes de seus locais de domicílios e de dificílimo acesso – em consequência
de sórdidas e cruéis perseguições políticas – é outra vítima desse sistema
caótico perverso. Além do mais, o docente da escola pública vem sendo afligido
pelas várias formas de violências que o ameaçam no seu cotidiano profissional
e, acima de tudo, humano, demasiado
humano.
Em vários municípios do
interior baiano, em muitas situações, a progressão da carreira docente é um
dilema profissional e uma violência contra a dignidade da pessoa humana do
educador da escola pública. Por exemplo, quando municípios realizam concursos
públicos para admissões de professores, quase que de modo geral, oferecem carga
horária de vinte horas. Então, para melhorar a sua remuneração, o docente
inicia uma peregrinação exaustiva e tantas vezes humilhante para elevar a sua
carga de trabalho para quarenta horas. Privilégio exclusivo de protegidos,
correligionários, apadrinhados e amigos do grupo dominante. Caso contrário, um
professor com formação em nível de mestrado tem que humilhar-se perante um
vereador analfabeto, alcoólatra e corrupto que integra a situação para ter
acesso ao direito constitucional. No caso da mulher docente e arrimo de família,
fala-se até em assédio e exploração sexual da parte desse tipo de político
promíscuo e leviano; condição sine qua
non para que a pleiteante alcance o “benefício”. Estas formas de opressões
covardes são mais cruéis e implacáveis quando a chefia do executivo municipal é
ocupada por uma mulher. Aliás, comenta-se aqui que quando o político Otávio
Mangabeira governou a Bahia costumava vociferar: “Pense um absurdo, na Bahia
acontece!”
Quando o sistema de educação é
um “absurdo”, favorecendo a alguns privilegiados, explorando pessoas
sexualmente, humilhando desprotegidos, e massacrando adversários gera um
verdadeiro caos social, moral e pedagógico porque esses descalabros se refletem
na extremidade final da escolarização, o educando. Este percebe que o seu papel
no sistema de educação é funcionar como massa de manobra para malversação de
verbas públicas e, de algum modo, toma conhecimento da cultura de corrupção a
que está sujeito como instrumento de articulações delituosas e não como aluno
de escola pública. Portanto, passa a não ter condições morais, sociais, humanas
e psicológicas de acreditar na Educação Escolar nem de assimilar o conhecimento
que a escola pretende ministrar. É surpreendente como os jovens adquirem
saberes quanto aos absurdos que dilaceram as verbas públicas que bem poderiam
ser aplicadas nas escolas. Dessa forma, circulam saberes entre alunos pobres e
seus familiares de que 45% dos recursos destinados à escola pública em muitos
casos ficam nas Secretarias Municipais de Educação para financiar “cabides de
empregos” para privilegiados e integrantes do “grupo”. Assim, indivíduos que
têm empregos públicos – por exemplo – e até são aposentados, locupletam-se em
cargos de assessorias nas ditas Secretarias de Educação para auferirem salários
muito acima dos professores que trabalham em salas de aulas e roubarem dinheiro
público. Narraram-se casos de servidor aposentado do Tribunal de Contas dos
Municípios que se locupleta naquelas “assessorias de educação” e ainda emprega
familiares, somente porque ajudou a gestores de municípios a manipularem contas
públicas e a roubarem recursos financeiros destinados à educação e à saúde,
entre outros encargos.
Este trabalho que é resultado
de uma escuta sensibilizada de atores
sociais de periferias muito oprimidas – condição sine qua non – para sua elaboração, encontrou relatos contundentes
e de estarrecer, porque os contextos de absurdos perpetrados na Educação
Pública são delituosos, à luz da narrativa do oprimido.
Nos contextos absurdos do poder hegemônico da
Bahia, se o profissional de educação não “apoiar o grupo” as retaliações são
trogloditas, porque um aumento da carga horária, visando à melhoria da
remuneração não constitui um direito do profissional, mas uma benesse
barganhada pelo “grupo”.
O “grupo” dominante no interior
baiano é uma forma de poder hegemônico que se sobrepõe ao partido político. Na
verdade, a legenda partidária neste contexto truculento é mera fachada legal
para dar respaldo jurídico ao poder eletivo, mas, na prática, não tem nenhum
valor institucional. O que prevalece mesmo é o interesse e a vontade do
“grupo”. Somente me foi possível entender essa cultura graças à generosidade e
à confiança de uma professora leiga negra da Região do Sisal do Estado da Bahia
que foi minha aluna em um programa de formação de professores leigos. Ela
serviu a um “grupo” dominante e reacionário de expressão nazifascista grotesca
que dominou o município de Conceição do Coité por quatro décadas, sendo que por
mais de vinte anos ela foi contratada e recontratada para servir ao “grupo”,
exercendo a docência em uma escola do meio rural de maioria afrodescendente. Lembro-me
ainda de que as nossas conversas nesse sentido tiveram início quando eu tentava
exaustivamente conduzi-la à leitura e à interpretação de um texto, diante das
dificuldades gravíssimas que a professora encontrava para fazê-lo. A prática da
leitura para ela era um sacrifício doloroso e pavoroso, e a escrita tanto
quanto a leitura. Na verdade, essas dificuldades decorrem de condicionamentos
impostos aos pobres pelas oligarquias dominantes, instalando comportamentos
aversivos no sentido de que quem lê muito
enlouquece. Diante dessa afirmação, em muitas escolas do meio rural e do
campo docentes e discentes têm medo de ler e apreender “para não enlouquecer”. Em face da realidade socializada eu quis saber
como ela conseguia lecionar em uma escola pública por quase trinta anos, e o
que ela conseguia ensinar aos seus alunos. Foi assim que obtive informações
sobre a estrutura do “grupo” e a sua influência dominante na Educação Escolar. Nesse
sentido, os fins justificam os meios: a escola finge que ensina, o discente
finge que aprende, o docente finge que é remunerado e o Estado finge que
financia a escola e remunera o docente. Mas a pessoa precisa de emprego e o
“grupo” precisa de um agente público para manipular, votar nele com familiares,
cooptar votos da comunidade, oferecer dados pessoais para o “grupo” saquear os
cofres públicos e engendrar a fabricação de “alunos fantasmas”, visando ao
aumento de repasses federais per capta
para “financiamento da escola pública”. Além de outras práticas delituosas. De
sorte que naquelas circunstâncias a referida docente ingressou no programa de
formação acadêmica, oferecido aos professores leigos no exercício do serviço
efetivo por cinco anos ou mais, sob a égide e a indicação da Secretaria
Municipal de Educação dominada pelo “grupo”.
O programa de formação estava
em curso quando foram-se aproximando as eleições municipais. As pessoas
atendidas entraram em pânico, porque se o “grupo” que as apadrinhava e
explorava perdesse as eleições municipais, logo seriam desligadas do curso e
demitidas do emprego pelo “grupo” opositor vitorioso. Nestas circunstâncias,
entra em cena um recurso estratégico praticado pelo oprimido e denominado, o pulo-do-gato, que consiste em o
docente “pular” do “grupo” dominante para o opositor, visando à permanência no
emprego. Assim, passam a ser mobilizados saberes relevantes na perspectiva da
subsistência humana: a pessoa passa a auscultar as tendências do eleitorado,
mesmo participando de campanhas, passeatas, carreatas, comícios, reuniões,
distribuição de santinhos e etc. a
serviço do “grupo” da situação, mas de olho no andamento da campanha política
do adversário. Aproximando-se o dia da eleição, se o oprimido estiver convencido
de que o candidato adversário irá derrotar a situação, então dá o pulo-do-gato, mas não pode perde-lo! Não
pode errar o pulo. Porque se a
situação derrotar a oposição na última hora e continuar no poder, o oprimido
cai em desgraça! É como uma sentença de morte: o indivíduo passa a sofrer as
mais perversas e sádicas formas de perseguições, retaliações, ódios e infâmias.
Se for o caso de ter na família uma pessoa portadora de câncer, cardiopatia grave
ou necessidades especiais, carecendo de medicação continuada a ser fornecida
pela Secretaria Municipal de Saúde, o paciente ou os pacientes deixam de
recebe-la e vão a óbito. Quando retornei da região Sudeste do Brasil, depois
dos quarenta anos de idade, para onde migrei aos dezoito, tomei conhecimento de
que nos casos de perseguições políticas implacáveis, os “grupos” dominantes
boicotavam o fornecimento de água potável a famílias consideradas adversárias,
isto em períodos de estiagens prolongadas e temperaturas elevadíssimas. Nessas
situações, os perseguidos são obrigados a migrar para as periferias violentas
de São Paulo, para escaparem dos ônus das retaliações aqui na Bahia,
empreendendo a Diáspora Caatingueira. A minha ex aluna teve sorte, o “grupo”
para que deu o pulo-do-gato em cima
da hora venceu as eleições e ela permaneceu no emprego de professora e no
programa de formação. Porém, ser docente da educação pública neste contexto,
muitas vezes, é uma situação de altíssimo risco para si próprio e para seus
familiares.
Muitas vezes o docente da escola
pública em sala de aula que tem compromisso sério com a Educação labuta com
jovens e adolescentes marginalizados, usuários de drogas e traficantes mirins
que muitas vezes adentram às salas de aulas armados, portando dispositivos
cibernéticos de última geração e transportando drogas nas mochilas para
venderem a colegas usuários, pondo em risco a vida e a integridade da pessoa do
docente e dos próprios colegas de classe. O risco de um aluno vir a ser
acometido de uma compulsão química na sala de aula, pode deixar um professor em
estado de permanente apreensão. Além de tudo, é do conhecimento do sistema de
educação que essas demandas infanto-juvenis podem, também, acessar linguagens
ideológico-terroristas do Estado Islâmico,
do Talibã, da Al Qaeda e etc. como formas de inspirações para a vida do crime e que
podem ser somadas aos testemunhos de banditismos de grande parte da classe
política do Brasil, de que os alunos tomam conhecimento através da parafernália
cibernética de que utilizam, induzindo-os até a praticarem atentados
terroristas com empregos de materiais radioativos alternativos, decorrentes do
ódio que os políticos criminosos estão insuflando nas mentes infanto-juvenis.
Se estudadas as causas das dependências químicas e das infrações penais como
ausências de exemplos positivos por parte de adultos, de autoridades, de
instituições e, em consequência, de falta de perspectivas para as gerações de
jovens e adolescentes, os piores exemplos apontados por jovens infratores
incidem sobre a classe política.
As práticas de corrupções e outros crimes
perpetrados por políticos brasileiros vêm persuadindo e condicionando jovens e
adolescentes a fazerem opções pela vida do crime, dadas às revelações públicas e
convencimentos práticos de que as instituições oficiais do Brasil têm o mesmo
caráter das facções de meliantes comuns que aliciam e exploram crianças,
adolescentes e jovens nas periferias truculentas dos grandes centros urbanos.
Logo, grande parte do público jovem pode estar sendo incitada pelas
instituições oficiais do Brasil a praticar verdadeiras hecatombes nos espaços
públicos, por força dos exemplos negativos de parte de autoridades constituídas
que deviam cuidar do interesse público. Principalmente cogitam assim os jovens infratores
que foram submetidos a internamentos ditos sócio educativos em instituições do
Estado. Trazendo isto para a nossa realidade do imenso Sertão de Canudos, na maioria dos casos, convém refletir sobre as
situações dos Filhos da Diáspora Caatingueira: menores nascidos em São Paulo ou
em outros grandes centros deste país, filhos de pais pobres que migraram do
interior baiano em busca de melhores condições de subsistência nas grandes
megalópoles, mas foram parar em comunidades de favelas onde geraram proles que
vieram a ser assediadas para a vida do crime ou da prostituição em plena For da Idade, submergindo nos labirintos
delituosos da Fundação Casa ou de outros centros de internamentos cautelaras,
terminando por internalizar naqueles centros de “ressocialização” saberes mais especializados do que nos morros,
favelas e Cracolândias em que viveram
sob a égide de traficantes, homossexuais e exploradores de lenocínio. Em
consequência, esses “menores infratores”, quando matriculados em escolas
regulares, passam a considerar os conhecimentos e as linguagens pedagógicas como
ingênuas, idiotas e ridículas.
Meninas prostituídas, amantes de traficantes e
de outros marginalizados, iniciadas sexualmente desde idades tenras e muitas
vezes exploradas em situações incestuosas nos âmbitos do próprio núcleo
familiar. Meninos delinquentes com ampla experiência na vida do crime e ainda
mais especializados nos centros estaduais de “ressocialização”, quando incidem
na mira da ROTA ou incorrem em rivalidades com facções inimigas são banidos das
periferias da cidade de São Paulo, por exemplo, com o seu núcleo familiar para
estas terras remotas do sertão da Bahia e são matriculados de forma estratégica
em escolas da rede pública somente para justificar recebimentos de Programas Sociais ou simularem álibis de
estudantes perante o sistema de repressão policial. Neste sentido, a escola
pública para crianças marginalizadas não é um espaço de aprendizagem, mas um
antro de homizio. Além disso, essas crianças têm plenas condições de aliciarem
outras tantas do mesmo nível etário neste sertão de coração aberto. O mais
grave é que o Estado não operacionaliza políticas públicas específicas para
atender a essas demandas em situações de riscos, mas patrocina festas públicas
nas plagas do interior baiano para que as chamadas Prostitutas Felizes e outros “atores” nefandos incitem as demandas
periféricas à violência, ao consumo de drogas, aos desregramentos sexuais e ao
crime. A consequência inevitável dessas culturas macabras é a escalada da
violência hedionda que vem ceifando vidas de indivíduos jovens de forma cruel e
endêmica. Além disso, a escalada da violência com que o Estado trucida a
Educação Escolar Pública é o marco regulatório da delinquização das demandas
infanto-juvenis no interior da Bahia. Portanto, o futuro sustentável da
Educação Escolar nestas áreas de influência direta do Sertão de Canudos – se for da vontade dos Poderes Públicos
Constituídos – pode achar-se, também, no envolvimento dos grupos familiares
mais próximos da realidade e da comunidade, de modo geral, em eventos
educativos de mobilização social, valorização da vida e consolidação da CULTURA
DA PAZ com plena atuação de políticas públicas. Dessa forma, os Poderes
Públicos Constituídos não envolvidos com a corrupção, com o narcotráfico, com a
exploração homossexual e com a prostituição infanto-juvenil podem e devem –
através da Educação Escolar Pública, Inclusiva e de Qualidade – operacionalizar
profilaxias de crimes bárbaros e de possíveis hecatombes devastadoras a serem
perpetradas por jovens infratores marginalizados com empregos de substâncias
letais de altíssimos riscos, a exemplo do que já vem ocorrendo com as explosões
de caixas eletrônicos de estabelecimentos bancários. Aliás, o município de
Euclides da Cunha tem uma história de riscos iminentes: certa feita uma clínica
médica, conforme noticiário midiático, abandonou em um terreno baldio um
aparelho de Raio X desativado, contendo a substância CESIUM -137; de outra
feita um caminhão teria trefegado pela BR 116, Rodovia Santos Dummont, na área
desse mesmo município transportando substâncias dessa modalidade radioativa,
sem o devido aparato de segurança. Em face dessas ameaças nefastas, seria o
caso desta imensa região do Sertão de
Canudos hastear a bandeira inaugural de uma era da Educação neste Terceiro
Milênio?
Por último, quero cumprir o
dever espiritual de prestar uma homenagem singela à Memória de uma criança
interrogada pelo marechal Carlos Machado Bittencourt, então ministro da guerra,
acompanhado de seu estado-maior já na cidade Queimadas, quando veio ao sertão
da Bahia comandar pessoalmente o Holocausto de Canudos, instalado na cidade de
Monte Santo. Euclides da Cunha delineia o quadro, iniciando pela arguição das
mulheres prisioneiras:
“Postas na saleta de casebre comprimido,
junto ao largo, as infelizes, rodeadas pelos grupos insistentes, foram vítimas
de perguntas intermináveis.
“Estas deslocaram-se por fim às crianças.
Procurava-se a sinceridade na ingenuidade infantil.
“Uma delas, porém, menor de nove anos,
figurinha entroncada de atleta em embrião, face acobreada e olhos escuríssimos
e vivos, surpreendeu-os pelo desgarre e ardileza precoce. Respondia entre
baforadas fartas de fumo de um cigarro, que sugava com a bonomia satisfeita de
velho viciado. E as informações caíam, a fio, quase todas falsas, denunciando
astúcias de tratante consumado. Os inquisidores registravam-nas religiosamente.
Falava uma criança. Num dado momento, porém, ao entrar um soldado sobraçando a
Comblain, a criança interrompeu a algaravia. Observou, convicto, entre o
espanto geral, que a Comblé não
prestava. Era uma arma à-toa, xixiliada:
fazia um zoadão danado, mas não tinha
força. Tomou-a, manejou-a com perícia de soldado pronto; e confessou, ao cabo,
que preferia a manulixe, um clavinote
de talento. Deram-lhe, então, uma
mannlicher. Desarticulou-lhe agilmente os fechos, como se fosse aquilo um
brinco infantil predileto.
“Perguntaram-lhe se havia atirado com ela,
em Canudos.
“Teve
um sorriso de superioridade adorável:
‘E porque não? Pois se havia tribuzana velha!... Havera de levar
pancada como boi acuado, e ficar quarando
à-toa, quando a cabrada fechava o
samba desautorizando as praças?!’
“Aquela criança era, certo, um aleijão
estupendo. Mas um ensinamento. Repontava, bandido feito, à tona da luta, tendo
sobre os ombros pequeninos um legado formidável de erros. Nove anos de vida em
que se adensavam três séculos de barbárie.
“Decididamente era indispensável que a
campanha de Canudos tivesse um objetivo superior à função estúpida e bem pouco
gloriosa de destruir um povoado dos sertões. Havia um inimigo mais sério a
combater, em guerra mais demorada e digna. Toda aquela campanha seria um crime
inútil e bárbaro, se não se aproveitassem os caminhos abertos à artilharia para
uma propaganda tenaz, contínua e persistente, visando trazer para o nosso tempo
e incorporar à nossa existência aqueles rudes compatriotas retardatários”. (Cunha,
2003, p. 309 e 310).
Serrinha, 20 de
novembro de 2017
(Dia da Consciência Negra)
PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO
ESTADO DA BAHIA – UNEB. EM EUCLIDES DA CUNHA.
REFERÊNCIAS
AGUIAR,
Durval Vieira de . Descrições práticas da
província da Bahia . 2. ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979.
CASTRO,
Elisa Guaraná de . Entre ficar e sair:
uma etnografia da construção social da categoria jovem rural . Rio de
Janeiro: Contra Capa, 2013.
CUNHA,
Euclides da . Os sertões . São Paulo:
Nova Cultural, 2003.
CUNHA, Manuela Carneiro da . História dos índios no Brasil . São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
DALAI-LAMA, Sua Santidade o . Minha terra e meu povo . Rio de Janeiro:
Sextante, 2001.
RODRIGUES, Matias . Vida e obra do padre Gabriel Malagrida . Belém: Centro de Cultura e
Formação Cristã, 2010.
SAMPAIO, Consuelo Novais . Canudos: cartas para o barão . São
Paulo: Edusp, 1999.
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