O GIGOLÔ E A PROSTITUTA
O GIGOLÔ E A PROSTITUTA
por José Plínio de Oliveira*
O MINISTRO RAPOSÃO, Dom
Esperidião Raposo Minuano dos Pampas Terra Cambará, do Egrégio Supremo Tribunal
do Reino de Brasófila, proferia o seu voto de relator há trinta e seis horas.
Para oferecer tempo ao ministro, o Supremo Tribunal Real proclamou três sessões
para aquele julgamento. Na pauta, um habeas Corpus impetrado
pela defesa de um megatraficante, apontado pela imprensa e investigado pela
polícia como ligado à dupla sertaneja Moersbley Safadinho e Joersbley Safadão.
Brasófila
é um reino encravado na região subcutânea do cotovelo do Himalaia. Por isto,
dir-se-á que o clima natural de Brasófila oscila entre o ameno e o agradável,
entre o corrupto e o leviano. Em consequência, a temperatura
jurídico-corruptiva-politiqueira do país é elevadíssima.
Dom
Raposão – no Reino de Brasófila, os ministros do STR detém títulos
nobiliárquicos – envidava esforços hercúleos para manter na prisão o
megatraficante. Desde o início da sua carreira bem sucedida de magistrado
austero de primeira instância que Dom Raposão julgava com o mais absoluto rigor
os crimes relacionados com o narcotráfico e com outros delitos hediondos,
portanto, sempre foi respeitadíssimo pelos seus pares, pelo próprio rei e pelos
súditos de Sua Alteza Real, Dom Miguel III. Aliás, Dom Miguel costumava
declarar abertamente que em toda a história do Judiciário brasofilense somente
três Magistrados poderiam se comparados a Dom Raposão: Sérgio Moro e os irmão
Eliézer e Eliezer Rosa. Dessa forma, Dom Raposão chegou a Ministro do Superior
Tribunal Real da IV Região por vontade expressa de D. Miguel III, e algum tempo
depois à Egrégia Corte Suprema de Justiça; também porque Raposão era
reverenciado como um gaúcho MACHO! Experimentado e experiente nas coxilhas
jurídicas do Rio Grande.
Naquela Sessão Suprema em que proferia o
seu voto, as partes presentes achavam-se embevecidas com a sua oratória,
elegante, escorreita, brilhante e a fundamentação convincente do instituto
jurídico defendido pelo eminente relator. Raposão citava juristas de elevado
renome, tanto da Escola Brasofilense quanto de escolas estrangeiras. Além
disto, para melhor fundamentar as suas acusações ao réu, mencionava as
Escrituras Sagradas, o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec e Preceitos Morais
da Umbanda e do Candomblé. Além de frases proferidas por Bento Gonçalves, Júlio
de Castilhos, Érico Veríssimo, Leonel Brizola e etc. Também ia ele respeitando
as intervenções dos demais ministros do Tribunal e respondendo-as com a
maestria serena de um juiz imbatível. O fato é que D. Raposão estava obstinado
pela negação exemplar do recurso impetrado pela defesa do réu; ainda apelando
ao plenário da Corte a condená-lo à pena máxima, a ser cumprida em regime de
segurança máxima – quando do julgamento do processo – pelos crimes nefandos a
ele imputados. Dessa forma, o relator clamava em favor dos pais de famílias que
foram mortos, pelas crianças que ficaram órfãs, pelas mulheres viúvas, pelas
vidas dos jovens que foram ceifadas pela crueldade do traficante, pelas
crianças e adolescentes que foram vítimas de abusos sexuais cometidos pelos
comparsas e rivais do meliante; crianças que foram seviciadas e torturadas até
a morte, com requintes da mais hedionda crueldade. Concluído o voto do Eminente
Relator, o presidente do Supremo Tribunal; pela ordem; concedeu a palavra ao
Decano da Corte – o popular Deca.
O Poder Judiciário do Reino de Brasófila é de dois pesos e duas medidas. Tem um caráter sui generis e discutível: um Tribunal de Primeira Instância, presidido por um juiz de conduta ilibada e caráter insuspeito, e inatacável, condena um réu argumentando provas irrefutáveis e defendendo – acima de tudo – a soberania da Lei e os interesses da sociedade. Dessa forma, o magistrado argui a todo o emaranhado de legislações aplicáveis ao transitado em julgado, assim como a jurisprudências firmadas por tribunais superiores; ainda discorrendo sobre obras de pensadores renomados: de Pôncio Pilatos a Roland Barthes, de Sêneca a Rui Babosa, de Aristóteles a Michel Foucault. Não obstante, acatando recurso da defesa, um Tribunal Superior absolve um réu milionário ou um integrante do Crime Organizado Oficial Real, firmando-se nos mesmos diplomas legais e argumentos proclamados pela primeira instância, sem preterir uma vírgula sequer da sentença proferida pelo juiz de primeiro grau; desde que atendidas as expectativas do bolso do julgador de instância superior e de sua conta bancária. Portanto, no Reino de Brasófila, o entendimento do juiz está acima da Lei e das letras consagradas. E a Lei é prostituída da forma mais execrável no interesse da corrupção crônica. Aliás, é corrente no anedotário periférico do Reino de Brasófila que de bunda de bebê e cabeça de juiz, nunca se sabe o que vai sair. Todavia, se o magistrado é uma pessoa idônea, impoluta, incorruptível e austera no cumprimento da Lei e dos seus deveres de consciência serena – por força de Ato de Ofício – vindo a submeter a questão de juízo feitos delituosos praticados por megatraficantes influentes e autoridades corruptas, corre sérios riscos de perseguições e retaliações implacáveis e covardes, e até mesmo de afastamento do cargo. No caso de Ministro do Supremo Tribunal Real que contrarie os interesses escusos do Crime Organizado Oficial Real, as retaliações são draconianas.
Realmente,
saindo das formalidades e das datas vênias de
praxe, naquela sessão, o eminente decano foi se tornando mais enfático e
atrevido nos seus argumentos em defesa do megatraficante, passando a
fundamentar juridicamente o seu voto fazendo as mesmas citações das Leis, das
mesmas jurisprudências, dos mesmos pensadores e das mesmas obras que o relator
havia arguido contra as monstruosidades hediondas perpetradas pelo bandido
irrecuperável e de altíssima periculosidade para a sociedade; levando pois o
relator a voltar a pedir vênia e a
clamar ao plenário pela manutenção da prisão do réu em caráter preventivo.
–
Concluindo, quero deixar muito óbvio perante Vossas Excelências que esta
Egrégia Corte de Justiça não pode estar a serviço dos genros de Tarso ou dos
sogros do Dutra, mas em defesa da Lei, das Instituições e dos interesses
legítimos da Sociedade!
Encerrada
a sessão, D. Raposão dirigiu-se para o seu gabinete visivelmente transtornado,
e o velho decano chamou os seus assessores, entrou no carro blindado,
dirigiu-se a uma agência bancária e mandou depositar o cheque na conta de uma
garota de programa da Pensão da Alzira. À noite Dom Raposão tomou um pouco mais
de ânimo e foi ao Centro de Tradições Gaúchas para espairecer.
Vinho,
churrasco, chimarrão, prendas, danças, sensualidades, eroticidades, lascívias,
alcovas e boa prosa com a gauchada não foram suficientes para que Raposão esquecesse
a derrota sofrida no Tribunal. A certa altura da noite, reuniu os amigos mais
próximos em uma sala reservada e abriu o coração. Então, o presidente do Centro
manifestou a sua opinião:
–
Não Tchê! Um jurista gaúcho não pode ficar desmoralizado... Quando Calamandrei
calamandrou toda a calamandragem que calamandra o discurso jurídico
brasofilense, e tenta submeter o julgador honesto a manipulações espúrias,
deixou muito óbvio que um juiz honrado, principalmente gaúcho...
–
Ê um gaúcho MACHO!!! Proferiu o Diretor de Eventos.
–
Sim! Óbvio... Principalmente um gaúcho MACHO! Ê tê digo mais, guri, é
imprescindível lavar a Honra do Rio Grande. Porque sê Deus fez o mundo em sete
dias, seis dias e meio foram empregados em fazer o Rio Grande do Sur e sua
Brava Gente!
A
gauchada do CTG achava-se indignada e decidiu por unanimidade naquele momento
convocar a todos os filhos do Rio Grande, residentes na corte, a encilharem os
seus zainos, os seus pingos e até os seus pangarés para saírem em grande
cavalgada, trajados a rigor, em direção ao Palácio da Justiça, para amarrarem
as suas cavalgaduras no ícone representativo do Poder Judiciário.
–
Eu vou quebrar a venda que cobre os olhos daquele puta! Para fazê-la enxergar a
força do povo gaúcho! Proclamou o presidente do Centro.
Estavam
naquela azáfama, quando alguém sugeriu que reunissem logo no auditório todos os
presentes, para fazer-se uma verificação de quórum com vistas à cavalgada. 586
sócios estavam presentes. Então o presidente proclamou:
–
Todos os que forem MACHOS! Tomem lugares diante daquela parede.
Somente
12 sócios o fizeram. No alto da parede havia uma cruz ostentando o Crucificado.
O presidente arguiu indignado:
–
Porra! Pelotas quase inteira está aqui?
–
Mas o que é que está a acontecer aqui, tchê?
Era
Fandango que chegava naquele momento, esnobando ginga e malandragem.
–
Vamo-nos reunir na sala da presidência, para tratarmos melhor deste assunto...
Wiliam
Carlos Mariano Fierro, Fandango de alcunha, nasceu na cidade de Forno Alegre e
veio para a capital do Reino ainda na adolescência, para trabalhar no gabinete
de um parlamentar representante da Província. Por aquele tempo, passou a circular
pelos gabinetes e demais espaços do Congresso Nacional, inteirando-se dos fatos
e das necessidades das personalidades acima de qualquer suspeita do Poder
Legislativo. Tempos depois, Fandango passou a explorar o jogo-do-bicho, o
narcotráfico e o contrabando no Túnel do Congresso Nacional do Reino de
Brasófila. Logo depois resolveu ampliar os seus negócios, mandando trazer do Sur algumas prendas para
exercerem a prostituição parlamentar e alguns guris para
fazerem programas com Autoridades do Poder Legislativo. Mas quando o Presidente
do Congresso Nacional – o popular Boneco de Vitalino – tomou conhecimento do
jogo, do tráfico de drogas, do contrabando e da prostituição no Túnel da Casa das Leis,
determinou que a Polícia Legislativa tomasse providências. Fandango foi ao
gabinete do “homem” e o ameaçou de repassar para órgãos de imprensa tudo o que
sabia e havia documentado naquelas demandas de Poder. O presidente do Congresso
Nacional ficou apavorado e Fandango saiu do gabinete com a garantia de imediata
revogação da ordem dada à polícia, de exclusividade na exploração dos “negócios
do Túnel” e promovido a Assessor parlamentar Vitalício.
–
Vocês acham que vale a pena fazer uma cavalgada de protesto com no máximo
dezoito MACHOS? Doze levantados no auditório e mais uns seis aqui da
diretoria... Tenho melhor sugestão!
–
Qual?
–
Serapião Elesbão São Severino de Ramos, o decano, frequenta uma das meninas da
pensão de Alzira, inclusive, que ele explorava como laranja. Só que a menina
agora está sob a minha proteção, e ele não sabe. Portanto, pegando o cheque,
ele vai lavar na conta dela. Só que quem administra a conta agora sou eu. Esse
dinheiro vem parar nas nossas mãos logo que o banco compense o cheque...
–
Fandango, e aquela morena baiana de olhos verdes?
–
Pertence ao Sepúlveda, mas ele vai tirá-la de lá e domiciliá-la em uma mansão
funcional ao Sul do Lago.
–
Porra! Mas os imóveis funcionais não são para uso de autoridades e de
servidores públicos do alto e médio escalão?
–
Óbvio! Mas também para os amigos da realeza...
Fandango
ainda está falando quando adentra à sala Sua Alteza o Príncipe Herdeiro Dom
Pietro Pierre Pietra, também conhecido pela alcunha de Pedro Maluco.
–
O que está a ocorrer aqui?
Puseram-no
a par dos acontecimentos. Pedro Maluco desfrutava
de excelentes relações de amizade, cumplicidade e confiança com a cúpula
dirigente do CTG.
–
Vou mandar o Chalaça emprestar a vocês os melhores exemplares da minha
cavalariça, para fortalecer a manifestação.
O
Gabinete Institucional Real de Segurança levou ao conhecimento de Sua Alteza a
cavalgada de protesto organizada pela gauchada. A inteligência da segurança
obteve informações confiáveis de que oito mil cavaleiros preparavam-se para
invadir o Palácio da Justiça. O rei ficou alarmado e chamou logo o chefe de
gabinete:
–
Ligue imediatamente para o Freitas e diga-lhe para promover uma grande festa
pública no dia da passeata. Diga-lhe para mandar vir alguma coisa do Nordeste, tipo
trio elétrico ou algo semelhante.
–
Talvez seja mais prudente que Vossa Alteza mande ao Freitas contratar alguma
coisa agrobrega de outra região, porque o Congresso Nacional está endurecendo na
aprovação de leis de combate ao feminicídio e à violência contra a mulher. As
bandas do Nordeste vulgarizam e execram de forma abominável o corpo da mulher,
o sexo da mulher. É uma forma de violência sádica e cínica, com requintes
simbólicos de extrema crueldade e de feminicídio torpe. O que nos levaria a
entrar em colisão com o Legislativo e com a sociedade. Neste contexto
histórico, isso não é bom.
–
Não é melhor mandar o Freitas vir aqui, entender-se com Vossa Alteza?
–
Muito bem pensado! Mas, antes, mande-me vir o Vidigal.
O
Ministro da Defesa, major Vidigal, foi chegando com aquele andar desengonçado,
aquele gingar de capoeira e aquela voz pausada para dar conta das providências.
–
Até agora, Alteza, o serviço de inteligência apurou que eles pretendem marchar
com cerca de quinze mil cavaleiros. Até azêmolas serão utilizadas na
mobilização; mas já tomei todas as providências...
–
Quinze mil homens... Isso já não é mais uma mobilização de protesto, mas uma
outra Longa Marcha, ou outra Coluna Prestes. Que providências tomaste até agora?
–
Todas as tropas estão de prontidão, os agentes da Comunidade de Informações já
estão nas ruas e eu vou dar uma de Newton Cruz; vou sair dando bordoadas em
cavalos e éguas à torta e à Direita...
–
Não me faça uma palhaçada dessas! Aquela era de palhaços, trogloditas e gorilas
está sepultada.
–
Há uma questão que tenho que levar ao conhecimento de Vossa Alteza: o Príncipe
Herdeiro está colaborando com a cavalgada gaúcha. É ele quem incita os gaúchos
a promoverem protestos.
–
Não me diga uma porra dessas! Prenda aquele vagabundo ainda hoje. Encarcere-o
no Aljube até segunda ordem...
–
Outra coisa também, ele está por trás dos decretos da Rodrimar.
–
Cara... E eu perdendo o sono por conta dessa questão.
–
Como chegaste a esta informação?
–
Ele está tendo um caso com uma tal de Domitila.
–
Sei quem é. Ela é daquelas bandas de lá da Rodrimar, ela é do Canto. Vidigal,
aqui pra nós, soube que se trata de uma mulher fogosíssima, tarada; uma mulher
insaciável... Entre quatro paredes, ela deve fazer coisas que levam o homem à
loucura, e são capazes de levar o próprio lúcifer a morrer de vergonha. Mas ele
não tinha um caso com uma das meninas do Kabaré da Alzira?
–
Já deixou. Agora passou a frequentar o Centro lá dos gaúchos onde há umas
prendas monumentais. Só que quem controla as meninas de lá é o Fandango. E o
Fandango é um gigolô profissional. Portanto, o príncipe Dom Pietro vai ter que
ter jogo de cintura para não se atrapalhar.
–
Vidigal, o Fandango não é um gigolô qualquer! O Fandango é o empresário das
meninas. Veja que todas elas têm as suas contas poupanças pessoais abarrotadas
de dinheiro, aplicações em dólares, ações de empresas rentáveis, apartamentos
suntuosos em bairros nobres, automóveis de luxo e outros requintes. Óbvio que
ele tem que ter a sua comissão, porque é o detentor titular dos “negócios” do
Túnel do Congresso Nacional e protetor da meninas. Agora, o Pietro é safado,
aquele rapaz é um caso sem solução. Lá na Fazenda Santa Cruz, ele engravidou
três moças africanas filhas dos servos da Fazenda. Aquele moço não tem jeito; e
o pior é que irá assumir o governo deste Reino.
–
Como assim Alteza?
–
O rei do Líbano está nas últimas e eu sou o primeiro na linha de sucessão de
lá. O conselho daquele país reunido já decidiu que eu terei que ocupar o trono
assim que o rei vier a óbito; o que deve acontecer nos próximos dias. Mas este
assunto fica somente entre nós dois. Tu irás comigo e serás o Ministro da
Defesa do Reino libanês. Tu e o Chalaça serão os únicos que levarei daqui.
Ninguém mais. Prepara-te, porque terás a missão de pacificar o Oriente Médio,
acabar com aquelas guerras e conflitos fraticidas que há tantas eras têm
martirizado aquele povo tão nobre. No Líbano, a tua missão será mais
diplomática que repressiva, lá não há capoeiristas.
–
Alteza, mas foi o Chalaça que botou o Príncipe a perder...
–
Não, Vidigal, você está enganado. O Pietro é que é safado, foi ele quem enrolou
o Chalaça.
–
Mas, se Vossa Alteza sabe de tudo isso, como vai deixa-lo suceder-vos à frente
do Reino de Brasófila?
–
É a Lei. Ele é o primeiro na linha de sucessão aqui, como eu o sou lá. Além
disso, o gabinete será do Boni, e o Boni vai trazê-lo de corda curta.
–
E se ele meter o Boni na cadeia?
–
Aí é outra história! Não estaremos mais aqui.
Concluída
a audiência, o Ministro da Defesa fez os devidos salamaleques e pediu licença
para retirar-se; pois tinha que trancafiar o príncipe no Aljube ainda no correr
do dia. Então, veio o Ajudante de Ordens comunicar a presença do Ministro da
Cultura.
–
E o Moreira?
–
Está a dormir, Alteza.
–
Porra! O Moreira parece um gato angorá, só vive dormindo. Mande o Freitas
entrar e feche a porta por fora.
O
Ministro da Cultura entrou no gabinete esbanjando otimismo, Sua Alteza Real
percebeu o estado de graça do seu súdito e animou-se também.
–
Inicialmente, quero comunicar a Vossa Alteza Real que já firmamos contrato com
a banda sertaneja Moersbley Safadinho e Joersbley Safadão.
–
Achas que fizeste bom negócio? Os ônus para o erário público não serão muito
elevados?
–
Não Alteza, não há ônus financeiro para o Tesouro Real.
–
Como assim?
–
Essas bandas pagam para se apresentar. Tiraram o Ministério da Cultura da crise
e ainda sobrou muito dinheiro que, se Vossa Alteza assim pensar, poderá mandar
remanejá-lo para cobrir o rombo da Intervenção Real na Segurança Pública.
–
Freitas, me explique isso melhor...
–
Alteza, os lucros exorbitantes dessa bandas vagabundas vêm do Narcotráfico.
Cantar de fato, sabemos que não cantam porra nenhuma, além de emitirem sons
guturais e grotescos. Agora, nesses espetáculos, oferecidos nas praças públicas
às vassalagens, às galeras, essas bandas comercializam toneladas de drogas.
Tanto nos espaços das festas públicas quanto exportando para o exterior; por
exemplo: para a Comunidade Europeia, para o Canadá para os Estados Unidos da
América e por aí vai. Porque as demandas de drogas nos países ricos do Primeiro
Mundo são insaciáveis. Dessa forma, ainda não se sabe como, por ocasião dessas
“festas”, eles conseguem misteriosamente desovar quantidades astronômicas de
narcóticos em países ricos.
–
Creio que é de bom alvitre investigar; um deles está ameaçando o governo
dizendo que vai moer e etecetera...
–
Alteza, “moer” na linguagem deles não tem nada a ver com questões políticas,
delações premidas, malas nas mãos do Rocha... Nada, nada, nada. O que o
Gabinete Institucional de Segurança Real investigou é que eles mandam moer
pedras de Cracks para adicioná-las a Cocaínas, porque têm grande aceitação no
Mercado Incomum Europeu. Eu não poderia, permita-me Vossa Alteza, era contratar
Joãozinho de Patu com o seu violão clássico, para interpretar o Barquinho, de
Menescal e Bôscoli, para essa galera. Ou Antônio Carlos e Jocafi com Meu
Catendê, ou ainda Diana Pequeno cantando Sinal de Amor e de Perigo, da autoria
de Patinhas.
–
Claro que não! Esses artistas poderiam levar as massas a pensar, e o pensamento
não deve ser oportunizado às galeras. Freitas, a propósito, quem é esse tal de
Patinhas?
–
Alteza, é o João da Mônica.
–
Caralho! Freitas, como é possível um compositor lavrar uma peça musical tão
magnífica e achar-se agora arrastando tornozeleiras?
–
São coisas da Lava Jato!
–
Então “deu gorgulho na Estrada do Feijão”.
–
Agora, tem uma coisa, o governo de Vossa Alteza Real não explora bem as bandas
vagabundas que contratamos com dinheiro público.
–
Como assim?
–
Por exemplo, devemos exigir dessas bandas vagabundas que durante os espetáculos
abram intervalos para que especialistas em linguagens psicológicas instalem nas
cabeças das massas comportamentos favoráveis ao governo, subservientes ao
governo. Podemos levar à práxis a teorização Dias Ossa. Assim, quando uma
Prostituta Feliz estiver fazendo um show semidespida sobre um trio elétrico
para quinze, vinte, trinta mil ou mais pessoas, chamará uma tiete da galera e
com ela fará sexo oral diante do grande público. Isso está na moda. Óbvio que
as massas irão à loucura; logo abrir-se-á um intervalo no inconsciente coletivo
e um especialista condicionará o grande público alienado e instalará o que
quisermos. Dessa forma, o governo aprovará com ampla margem de apoio popular a
Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista, o Teto dos Gastos Públicos, a
Legalização do Trabalho Escravo e todas as Reformas que desejar.
–
Porra Freitas! Ideia genial... Mas o Trabalho Escravo não carece de ser
aprovado, porque as massas já são escravas daquelas linguagens levianas. Ideia
brilhante... É bom pensar nisso!
–
O Ministro da Cultura fez as devidas reverências para retirar-se e quando o
Ajudante de Ordens abriu a porta do Gabinete, Sua Alteza Real observou que o
Ministro da Defesa achava-se na antessala.
–
Vidigal, você está aí? Venha pra cá!
–
Dom Pietro já se encontra encarcerado no Aljube.
–
Muito bem! Mantenha aquele canalha lá até segunda ordem. E as outras coisas,
como estão?
–
Tudo sob controle, Alteza, as tropas já estão devidamente posicionadas. Nas
primeiras horas da madrugada, ocuparão a Esplanada e os demais pontos
estratégicos.
–
Ótimo! Muito bem... E os gaúchos?
–
Estão sendo monitorados pela Inteligência.
Na
calada da noite, o Decano foi à alcova da prostituta no Kabaré da Alzira.
–
Vim buscar o dinheiro vivo, conforme o combinado.
–
Que dinheiro?
–
O que entrou na tua conta, ora!
–
Se entrou na minha conta, é meu.
–
Seu porra nenhuma! Se você não me devolver o dinheiro, eu vou mandar te prender.
–
Prender o que, velho safado. Tu é que devias estar detrás das grades de um
presídio de segurança máxima, pelos crimes que tens cometido e pelas safadezas
que tens praticado. Entretanto, achas-te homiziado atrás da toga de uma
“Egrégia Corte de Justiça” julgando os outros. Velho safado! Gravei imagens
tuas chupando a minha boceta; estão todas nas mãos do Fandango para vir a público
assim que a gente quiser. Vou te colocar debaixo da caneta do Moro.
Seduziste-me e trouxeste-me do interior quando eu era ainda uma adolescente,
colocaste-me nesta casa e transformaste-me em tua escava sexual e tua laranja.
Lavaste as tuas maracutais e as propinas milionárias que recebeste em meu nome.
Velho safado, quantas vezes te servi de mula para ir a escritórios e mansões
bilionárias pegar dinheiro para ti e teus comparsas do Tribunal. Agora é a
minha vez. Agora estás em minhas mãos e vais te foder comigo. Se o Fandango não
me orientasse, eu iria morrer na sarjeta como as prostitutas da Central do
Brasil. Tudo o que investiste em fazendas, imóveis urbanos, aplicações
milionárias e poupanças rentáveis em meu nome, agora é meu. Estou trazendo os
meus irmãos para administrar tudo, sob meu controle. Me dê essa porra aí! –
Tomando a bengala do Eminente Decano.
–
Devolva a minha bengala!
–
Devolver uma banana, corno velho. Quarta-feira vou jogar esta porra na tua
cara, quando estiveres latinizando no plenário do Supremo.
O
Decano entrou em desespero e logo chamou a Alzira para acalmar os ânimos da moça,
porém a moça estava irredutível e mesmo com os afagos da cafetina somente
concordava em devolver a bengala, mediante pagamento de resgate em dinheiro
vivo.
–
Não tenho dinheiro aqui.
–
Foda-se!
Depois
de muita negociação, Alzira emprestou os valores e o velho decano resgatou a
bengala.
–
Achei você no interior, uma paroara vivendo em situação de miséria extrema,
trouxe-te para a Corte, te dei estudo, glamour e conforto e esta é a retribuição
que me dás, por tudo que fiz por ti?
–
Foda-se!
Na
rampa da madrugada, humilhado, consternado e a careca rubra como um tomate
robusto, mas apoiando-se na bengala com toda pompa e
circunstância, Dom Serapião Elesbão São Severino de Ramos deixou o Kabaré
de Alzira, e tão logo pôs os pés na rua passou a exorbitar ares de aparente
austeridade, integridade e incolumidade de jurisconsulto supremo acima de
qualquer suspeita. E quando os primeiros raios do Sol passaram a desvirginar a
manhã, a Capital do Reino de Brasófila foi despertando na mais absoluta
normalidade; com as pessoas indo para o trabalho, para a escola e para os
demais afazeres da vida, laureados pela plenitude de uma PAZ PROFUNDA. Somente
alterava levemente o ritmo da cidade, o trabalho técnico dos testes do palco em
que se apresentaria a banda agrobrega.
Às
dez horas da manhã, já a cúpula do CTG achava-se reunida com o Fandango na sala
reservada à diretoria. Um assessor bateu na porta.
–
Pode entrar!
–
O Rocha já chegou com as malas.
–
Mande-o subir, tchê!
–
Sessenta por cento são da menina!
–
Como assim, Fandango?
–
É ela a titular da conta, e por muitos anos foi explorada pelo velho decano.
Nos
gabinetes e corredores do STR a agitação era perceptível, os ministros arguiam
uns aos outros:
–
O Deca já acertou contigo?
–
Até agora nada.
–
Então vamos ao gabinete dele.
–
Quero esclarecer perante os nobres colegas que houve um problema no repasse.
–
O problema é vosso, não é nosso. Eu estava com uma viagem marcada com a minha
família para passar uma semana em Madri, agora o que é que vou dizer em casa?
–
Há pilhas de habeas corpus aqui no Tribunal aguardando julgamentos, venda três
e passarás um ano na Espanha com toda a tua gente.
Os
ânimos iam-se tornando cada vez mais exacerbados. Alguém chutou a bengala do
velho decano, então o presidente do Tribunal decidiu suspender a sessão da
tarde. Portanto, o Deca deixou o gabinete e partiu para casa, mas quando o seu
carro entrou no Eixo Rodoviário foi emparelhado por um caminhão baú que lhe
disparou um míssil de pequeno porte. O veículo blindado explodiu e voou pelos
ares, arremessando fragmentos de corpos por todos os lados, mas a bengala
intacta foi cair aos pés de um bêbado que mijava na parede do Palácio. Então, o
ébrio gritou a plenos pulmões:
–
Que País é este, Francelino!!!
Serrinha, 31 de março de 2018.
*PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NO DEPARTAMENTO DE
CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
– UNEB. EM EUCLIDES DA CUNHA.
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