JAIR, BOLSA E NARO
JAIR, BOLSA E NARO
por José Plínio de Oliveira*
– Flávio, eu conheço o Lorenzoni desde os tempos do Brizola, quando ele trouxe aquela gauchada toda para o Palácio Guanabara. Ainda guardo muitas coisas na memória. Você chegava no Palácio para uma audiência e na mediada em que ia passando pelas entradas dos gabinetes, estavam aqueles gaúchos de bombacha, guaiaca e tirador, recostados nas poltronas, chapéus sobre os olhos, calçados de botas e com as pernas estendidas sobre as mesas de trabalho sem, sequer, retirar as esporas. E aquela azáfama de serventuários da sede do Poder Executivo conduzindo carrinhos abarrotados de garrafas térmicas, para abastecer de água fervente as cuias que os gaúchos retesavam de mate, inclinando caprichosamente as bombas para sorver o néctar dos deuses rio-grandenses; numa bonomia de crianças satisfeitas com a amamentação benfazeja. É como se costuma dizer lá no Nordeste, gaúcho sem chimarrão é como moqueca sem camarão. Esta é a imagem que preservo do Lorenzoni quando ainda tinha cabelos abundantes. Veja agora o estrago desgraçado que a política fez na cabeça dele. E lá ia o Lorenzoni pelos corredores do Guanabara com a sua abastada cabeleira castroalvina e a altivez impávida de um heroico combatente dos pampas; transmitindo ordens pelos gabinetes e impondo toda a bravura da austeridade gaúcha. Bons tempos aqueles. Viva o Rio Grande dô Sur! Aquilo era uma verdadeira Campanha Farroupilha, Campanha de MACHOS! E o Brizola era o nosso Bento Gonçalves. Veja que agora os resíduos dos cabelos esfarrapados do Lorenzoni são reminiscências daquela era. Lembro-me de que certa feita Dona Neuza trouxe um parente distante, prefeito de Pelotas, para uma audiência com o Baluarte da Democracia Brasileira. “É Macho!” Arguiu a autoridade. “Manda chamar o Lorenzoni”, sugeriu o assessor mais próximo. Era corrente no Palácio que ele conhecia de cabo a rabo a vida pregressa de cada uma das potestades políticas dô Sur. Depois de breve exame, chegou o aval ao Gabinete do Governador: “Machochô!” O homem foi atendido. Não obstante o elevado espírito democrático e o senso de Humanidade sem precedentes, o Brizola era taxativo: “Gaúcho tem que ser Macho, tchê!” E, a meu ver, salvo melhor juízo, Eficientíssimo. Foi o caso de um babaca chamado Wilton Franco que apresentava um programa populeiro na televisão e, pressionado pela aristocracia capitalista, começou a meter o pau no governo Leonel Brizola; alegando que não fazia porra nenhuma pelo povo, que o Estado do Rio de Janeiro estava abandonado, e por aí afora... Até que numa tarde o apresentador de televisão começou a vociferar que a produção do programa estava fazendo contato com a assessoria do Guanabara para que ele, Wilton, questionasse o governador por telefone e no ar sobre que ações o governo estava implementando em favor do povo do Rio de Janeiro. Dito e feito, quando o contato foi estabelecido pôs-se o apresentador a questionar Brizola. “O que é que o senhor está fazendo pelo povo do Rio de Janeiro?” Brizola respondeu em cima da bucha! “Por exemplo, estou agora assinando a tua exoneração do quadro de assessoria do Palácio Guanabara, porque há anos que tu recebes salários altíssimos, pagos pelos cofres povo, sem jamais teres trabalhado sequer um único dia!” Logo entraram os comerciais e nunca mais o programa voltou ao ar. Veja, eu não sou gaúcho, mas nordestino, tendo trabalhado muito com aquela gente tchê, portanto, tenho Fé e reconheço que o Lorenzoni é um homem experimentado nas coxilhas políticas do Rio Grande. Ele próprio, considerado e respeitado nas Hostes do Brizolismo como um gaúcho extremamente MACHO! Amigo do Tarso Genro e do Olívio Dutra; arquinimigo do Nelson Marchezan e do Paulo Brossard. Ainda mais recentemente parece que a brisa felpuda do Minuano sopra para o Gauchão todas as articulações delituosas arquitetadas nos porões do Jaburu. Ele dá fé de tudo; das malas do Rocha às falcatruas da Rodrimar. Por tudo isso, tenho um enorme respeito pela pessoa mui honrada do Gauchão, desde os tempos do Brizola, agora, tem uma coisa: não vou entrar nesse papo de “Pacto Político”, de jeito nenhum, mesmo respeitando-o e considerando-o muitíssimo. Isso no Brasil não é possível! O meu assunto é curto e grosso, toma lá, dá cá. E estamos conversados. No contexto em que vivemos, política no Brasil é negócio mercantilista, e partido político é mera merchendagem.
– Senador, um esclarecimento por gentileza, Vossa Excelência trabalhou muitos anos com o Leonel Brizola. É verdade que naquela disputa partidária entre ele e a Ivete Vargas, chegou-se a cogitar a possibilidade de uma negociação política entre ambos?
– Sim, sim, no sentido da seriedade política, claro... Brizola era democrata até a escuma do bofe. Ele jamais se opôs ao diálogo com quem quer que fosse. Imagine que ele chegou a dialogar com o general-presidente João Figueiredo, o João Cavalo. Quem no Brasil dizendo-se democrata e progressista faria aquilo? O Governador Leonel Brizola também foi um grande Estancieiro, logo tinha habilidades de labutar com temperamentos equinos e asininos. Mas, com a senhora Ivete Vargas o debate sobre a legenda trabalhista não deu certo. Ela se considerava herdeira do ideólogo do trabalhismo brasileiro; mas não foi tanto por isso.
– Então, por quê?
– Porque ela estava ficando muito gorda, muita obesa. E para o Brizola, a obesidade na política é uma desgraça.
– Pelo que o senhor diz, o governador Leonel Brizola, que foi o vosso mestre, amava muito o Brasil e foi um grande patriota. O senhor deve seguir o seu legado...
– Eu quero que o Brasil se foda, Cara! Que porra de Pátria, Cara? De patriota? Eu quero é que a Pátria vá tomar no cu! Esse negócio de Pátria é conversa fiada de militares. Pátria porra nenhuma! Nem os próprios militares acreditam nela. Se os militares acreditassem na Pátria e a respeitassem não teriam transformado os quartéis em antros de corrupções, roubos, torturas, sevícias, empalamentos, sequestros, extorsões, achaques, assassinatos. Que Pátria tem o pobre trabalhador fodido, desempregado, tendo que vender o seu voto às vezes por cinco reais, para adquirir migalhas de pão e tentar matar a fome de uma prole flagelada? Que Pátria tem o jovem renegado ao analfabetismo, à marginalidade, à miséria e ao flagelo; tendo que vender maconha ou explorar homossexuais ricos para sustentar a família? Eu tenho que pensar é nos gastos exorbitantes que tenho em campanhas políticas e com o sustento do eleitor miserável, morrendo de fome com toda a sua família que chega na minha casa ou no meu gabinete desesperado às três horas da tarde, porque até àquela hora ele, a sua esposa e mais seis filhos somente conseguiram comer alguns pedaços de pães bolorentos que apanharam no lixo de um supermercado. Se eu não socorrer imediatamente o meu eleitor e ele vier a morrer de fome com a sua família perco votos, e neste país voto é dinheiro! O que achas? Devo ajuda-lo a matar a fome ou cantar para ele o Hino Nacional? Ó Pátria amada, idolatrada. Salve! Salve! Mas se ergues da injustiça a clava sórdida, verás que um filho teu pobre, fodido não foge à fome, à exclusão, à marginalização, à opressão, à exploração, à desgraça, à morte trágica. O buraco é mais embaixo, Flávio, o Brasil tem cinquenta milhões de analfabetos, portanto, milhões de bandidos fabricados pelo analfabetismo assaltando, roubando e matando nas ruas. O que é Pátria neste Brasil, Flávio? Um patrimônio privilegiado de militares, políticos, magistrados, banqueiros, grandes empresários e altos burocratas. A Pátria exclui e execra o trabalhador pobre, explorado, morador de periferias abjetas e azêmola da carga tributária extorsiva brasileira, que garante os privilégios exorbitantes das Aristocracias Privilegiadas. Eu venho é da extrema pobreza, nascido e criado em uma Favela do Nordeste, migrando com a minha família para outra Favela na Baixada Fluminense ainda criança. Por isso, não esqueço as minhas origens.
– É...
– Queres saber, amigo, eu mantenho oito ambulâncias para servir ao meu povo da Baixada; três delas são UTIs móveis; porque se depender das secretarias de saúde as pessoas morrem à míngua. Hoje nos Morros e Favelas as ações humanas e sociais são prestadas pelas facções. Mesmo trocando tiros entre si e com a polícia, são as facções que atendem e socorrem as periferias mais pobres que o Estado de Direito explora, abandona, oprime e reprime com violência e truculência. Se não fosse o trabalho social da facções, não teríamos sequer um pessoa viva nas comunidades de periferias.
– De fato, é muito triste. Mas a questão da violência...
– Flávio, por favor, não vamos bolsonarizar a violência, a bolsonarização da violência tem com alvos principais os negros, os pobres, os favelados. É triste e lamentável. Estou aqui por milagre, Flávio. Para que eu chegasse até aqui a maior parte da minha geração na Favela foi constrangida por esse sistema perverso a entrar para o narcotráfico e morrer na vida do crime, outros tantos apodrecem agora nos presídios medievais do Brasil. E tantos, tantos outros dos meus amigos de infância morreram de AIDS. Tinham que descer nos trens da Central do Brasil, de Japeri, Engenheiro Pedreira e Queimados para ganhar a vida como garotos de programas, explorando homossexuais ricos na Cinelândia, no Passeio Público, no Baixo Leblon e na Vieira Souto, para conseguir dinheiro e sustentar as suas famílias. Imagine a situação de uma mãe Evangélica, senhora honrada, pobre, idosa, passando também por necessidades de saúde, na iminência de ter a luz e a água cortadas por falta de pagamento; se não tivesse um filho para socorrê-la. Tendo ele que negar a origem do dinheiro vindo da exploração de gays ou do narcotráfico, alegando exercício de trabalho regular, para não constranger uma mamãe humilde e sofrida. Aqueles jovens submeteram-se a sacrifícios impensáveis para garantir os sustentos de suas famílias. E como se não bastasse, a polícia fazia batidas na Favela, invadia os nossos barracos, assaltava-nos, roubava o que dispúnhamos de gêneros alimentícios. Imagine se muitos dos meus amigos não explorassem homossexuais ricos nas noites cariocas para socorrer os seus familiares naquelas circunstâncias? Eu sou um milagre! Abaixo de Deus, quem me resgatou foi Leonel Brizola que me estendeu a mão e me tirou da vida do crime. Um dia ele foi inaugurar um Posto de Saúde em nossa Comunidade, minha mãe apelou aflita e desesperada: “senhor Governador, pelo Amor de Deus, tire meu filho desse flagelo, dê uma oportunidade pra ele”. Foi assim que eu fui resgatado das profundezas delituosas; conduzido ao trabalho digno e aos estudos de qualidade. Na vida que eu levava, teria morrido em confronto com a polícia ou estaria apodrecendo agora em algum Presídio de Segurança Máxima, mas com o apoio do Brizola também apreendi a pensar a realidade social e humana.
– De fato, Excelência, historicamente a realidade é grave...
– Tu achas que eu consigo tantos votos, porque os eleitores miseráveis leem o projeto político do meu partido e o entendem? Os meus colaboradores levam seis messes antes das eleições para treiná-los a digitar o meu nome na urna eletrônica e a identificarem a minha foto. Faço investimentos vultosos nesta área. A nossa cultura política é assim; nem o eleitor pode votar de graça, nem o político que investe no voto pode vacilar. Ainda mais nas bases das periferias pobres onde o eleitor encabrestado pela ignorância, pelo analfabetismo, pela miséria, pela fome, pela falta d’água, pelas doenças, pelas dependências químicas, pelo alcoolismo pela repressão policial. Tu pensas que os eleitores flagelados pela opressão conhecem a Lei, a Constituição Federal, e acreditam que o Brasil cumpre a sua Carta Magna, respeitando os direitos e as garantias individuais dos pobres cidadãos? Uma porra!
– Senador, entendo perfeitamente o que Vossa Excelência diz, a vossa indignação, e é por isso que temos que contar com o apoio do Legislativo para fazer as Reformas, e trabalhar para erradicar as mazelas sociais.
– Como? Com que espécie de Poder Legislativo vocês pretendem contar? E quem te disse que essas reformas têm preocupações com as mazelas sociais? Estou aqui no Senado há quarenta anos e tenho consciência de que isto daqui não é a casa das leis, o parlamento; com raríssimas exceções; isto daqui é uma quadrilha de bandidos; uma facção de altíssima periculosidade. Desviaram, ou melhor roubaram setenta bilhões de reais com os tais Atos Secretos do Senado. O que achas? Isso é servir ao Brasil, às leis da Nação?
– Senador, na verdade roubaram setenta e cinco bilhões de reais e eu, sinceramente, acredito que os Atos Secretos do Senado têm hoje reflexos na escalada da violência, na escalada do crime que o Brasil não consegue dominar. Entra Intervenção e sai Intervenção e as coisas pioram. Nisto sou obrigado a concordar com Vossa Excelência, porque os melhores Clássicos da Literatura especializada estudam que as escaladas dos crimes nas hostes dos Poderes Constituídos refletem-se nas extremidades periféricas mais oprimidas. Esta realidade é lamentável. Acobertaram, mas ficou provado que os desvios financeiros dos Atos Secretos do Senado tinham relações com o Cartel de Medelín.
– Eu tenho conhecimento disso e te digo mais, com conhecimento de causa! Queres conhecer o verdadeiro caráter dos Poderes Constituídos do Brasil? Faça a leitura das extremidades periféricas das violências hediondas, como tu afirmas, e encontrarás a radiografia mais nítida das hostes desses Poderes. É isso aí! E o que é mais grave é que o Banditismo dos Poderes Constituídos jura cumprir e defender a Carta Magna Nacional do Brasil, depois usam-na com blindagem; homizio para ocultarem-se dos seus crimes, da mesma forma que o bandido comum faz uso do fuzil, da metralhadora, dos explosivos. Literalmente, a Constituição Federal do Brasil é prostituída, promiscuída, vulgarizada e não é pela marginalidade comum não, pela violência, pelo tráfico de drogas. É por aqueles que têm o dever de defende-la, cumpri-la, preservá-la. Daí vêm as crises! Por exemplo, veja esse papo do déficit da Previdência Social, por quê? Porque roubaram descaradamente, acobertaram as dívidas e as falcatruas dos grandes Bancos, dos apadrinhados políticos, das grandes empresas que recolhem contribuições dos trabalhadores, mas não repassam para o sistema previdenciário. Observe os casos das prefeituras municipais que há décadas roubam contribuições dos servidores, inclusive temporários, e não repassam para os cofres do sistema previdenciário. Agora, para cobrir o rombo da Previdência o Brasil tem que cortar benefícios de idosos, cegos, aleijados, cancerosos à guisa de fazer reformas? Os discursos sobre essas reformas estão deixando a população trabalhadora em situação de pânico; as pessoas estão adoecendo, ficando deprimidas em consequência do medo, dos efeitos danosos cogitados pelas reformas em suas vidas. Pra cima de mim, não! Flávio, essas reformas visam a atender aos interesses da FIESP, dos grandes Bancos, das Multinacionais e dos megaespeculadores estrangeiros, do George Soros e seus negócios escusos, e foder a vida trabalhador brasileiro. Qual é o papo? Fazer reformas e privatizar empresas estatais para tornar o Brasil mais atraente para os investimentos estrangeiros. Trocando em miúdos: submeter o Brasil ao capitalismo especulativo globalizado. Neste sentido, fica demasiado óbvio que a jogada é diminuir o tamanho do estado brasileiro para torna-lo mais frágil, mais dependente das políticas especulativas internacionais e de facílimo controle hegemônico por parte das grandes potências econômico-financeiras. Então fecha logo esta porra e entrega as chaves nas mãos do George Soros! Você quer ver uma coisa, a especulação globalizada está comprando dívidas de países paupérrimos do Terceiro Mundo, principalmente países da África, junto às grandes potências e submetendo aquelas pobres nações ao que há de mais deplorável em termos de miséria extrema, mortalidades infantis, epidemias, narcotráfico, violência, terrorismo. Grande parte da África está agonizando. Enquanto as dívidas dos países do Terceiro Mundo eram contratadas diretamente com os países ricos ainda havia possibilidades de negociações diplomáticas, intercessões da ONU e por aí afora. Agora, embaixo do pé do megaespeculador não tem diplomacia, não tem ONU, não tem nada. Os países pobres da África e também do Terceiro Mundo são submetidos a penúrias extremas sob as especulações de suas dívidas. Vamos pensar! Somente o bloco esférico dos países islâmicos não permite especulações de dívidas dos seus membros mais pobres. Por razões de Religião, as inadimplências são perdoadas periodicamente e os países mais debilitados economicamente auxiliados ao soerguimento. Mas, no Ocidente isso é impossível, e no bojo da esferização especulativa, além da pauperização implacável, nascem outras demandas contraditórias. Por exemplo, o Narcotráfico com as suas ferocíssimas facções. Parece estranho, né? Mas, na verdade, o megaespeculador é parceiro dos mano.
– Como assim, Senador?
– É fácil entender, eu te explico. Esta questão somente pode ser pensada na dimensão Holística; se é que ainda é possível pensar neste país. E se é que nele pode haver pensamentos e pensadores. Vamos lá! Vê se você entende: se o Holos pode ser pensado como uma grande esfera, um todo; então a Grande Esfera Holística pode ser pensada em termos ocidentais como articulando dois Hemisférios. Em um deles há acúmulos e concentrações de riquezas; em detrimento do outro Hemisfério. É óbvio, que este outro lado é forçado a acumular e a concentrar pobreza extrema, corrupção, violência, tráfico de drogas, terrorismo. Ora, para acumular e concentrar riquezas excessivas e exorbitantes em um Hemisfério, o sistema econômico-financeiro da grande potência pratica crimes hediondos, trustes abomináveis; corrompe Estados Nacionais subalternos e seus Poderes Constituídos, financia guerras, corridas armamentistas e etc. Ora, assim como é em cima, é embaixo. Em consequência, esses crimes poderosos refletem-se na outra extremidade do Holos.
– Agora estou pensando uma coisa...
– Pôxa! Que ótimo.
– Estive recentemente nos Estados Unidos, e naquele padrão elevado de Primeiro Mundo fiquei surpreendido com o fenômeno da dependência química. E tem uma coisa, o consumo de drogas lá não é coisa só de marginal, é da elite poderosa, rica, sofisticada, elegante. Porra! Celebridades, socialites, símbolos sexuais, artistas, intelectuais. Então, pensando com o vosso discurso Holístico, no bojo do próprio Hemisfério poderoso pode haver, e há, uma extremidade fragilizada, deteriorada. Fiquei sabendo que nos Estados Unidos morrem em consequência do consumo de drogas trezentas pessoas por semana, e o governo gasta milhões de dólares com aquela realidade. Porra! Os Estudos Unidos têm a melhor política pública do mundo de prevenção às drogas, com assistência integral e inteiramente gratuita. Também o maior sistema de repressão ao narcotráfico e se fode... Que porra é essa?
– A propósito, a então Secretária de Estado dos Estados Unidos, a senhora Hilary Clinton, teve a dignidade de declarar publicamente: “A nossa demanda por drogas é insaciável!” Foi a primeira autoridade daquele país a ter a dignidade de pronunciar-se a respeito do problema.
– Como é possível? Um país que monitora o mundo inteiro, intervém em outros países e os ameaça com guerras a cada dez minutos, quedar-se perante as drogas. É terrível aquilo, Senador, eu vi nas universidades americanas professores e alunos lacaios da heroína, e que não conseguem viver sem a dependência dela. Como é possível isso?
– Veja, uma superpotência com um sistema militar que ameaça o Planeta. Basta um espirro de um presidente dos Estudos Unidos para que governantes do Terceiro Mundo se borrem de medo e, no entanto, traficantes das periferias da América Latina desovam toneladas de drogas nos Estados Unidos, destruindo vidas e desafiando descaradamente todo o super aparato sofisticado de governabilidade e segurança nacional.
– Por exemplo, o Noriega.
– Sim, bem lembrado. O Noriega, general panamenho, ditador, agente da CIA, súdito e assecla do Imperialismo Americano e traficante de drogas. Como explicar?
– Como se explica isso? Parece que o submundo da América Latina move uma Guerra Quente contra os Estados Unidos, muito mais perigosa que a chamada Guerra Fria.
– Pode ser. Mas é muito simples, quer dizer, presumo. É o que conversamos antes, ou melhor, pensamos. É assim: no Holismo Ocidental, se o Hemisfério superpoderoso concentra bens e poderes hegemônicos; na proporção em que descarta desgraças sobre o outro Hemisfério, o de menos-valia, através de fenômenos ainda desconhecidos, termina abrindo brechas ou ainda crateras em seu corpus; não se sabe como; e é por elas que ingressam as “contaminações”. Isso é inevitável. E a droga, nesses casos, é o meio mais eficaz porque ela é do agrado das várias camadas sociais. Ora, a face oposta, ou o Hemisfério oposto arca com todos os ônus mazelosos, mas reage da forma que é possível, devolvendo ao centro da opressão o que lhe é projetado. É simples...
– Qual seria a forma de equacionar isso?
– Dessa forma, se o mundo melhora a harmonia pacífica do Hemisfério do Poder, com o do não-poder, as pessoas melhoram. Não têm mazelas, mas HARMONIA. É uma relação de equilíbrio harmonioso. É sempre: Assim como é em cima, é embaixo. Veja o caso das sociedades estadunidenses. Você citou. A mim surpreende também. Como é que um cara aristocrata, que vive em um país riquíssimo como os Estados Unidos da América, é obrigado a naufragar nas drogas e a perecer de overdose? O que explica isso? Se é possível haver explicações, parece que alguns indivíduos mesmo em condições abastadas são dotados de mecanismos de sensibilidades subjetivas refinadas. Leia Guattari! Se é assim, mesmo em se tratando de cidadãos e cidadãs dos Estados Unidos da América e da Europa, nada impede que sejam dotados e dotadas desses mecanismos sensíveis. Dessa forma e de algum modo, parece que há quem sofra – sem saber – os ônus das opressões implacáveis arbitradas pelo Capitalismo Globalizado que matam nos países subdesenvolvidos e asfixiam a alma humana nas regiões superdesenvolvidas. Dessa forma, pensando assim, parece que há alguns indivíduos que não suportam os padecimentos que são projetados sobre a parte da humanidade oprimida, excluída e execrada, e portanto, mesmo em se tratando de indivíduos muito ricos, não encontram equilíbrio suficiente para um estado d’alma saudável, harmonioso. Interroguemos: o que leva uma celebridade americana ou europeia bilionária, badaladíssima, requintadíssima, símbolo sexual por excelência a consumir heroína até morrer de overdose? Será que lhe falta mansões suntuosas, carros e aviões de altíssimo luxo, prazeres, lazeres e amantes homens e mulheres para satisfazerem as suas taras na cama?
– É Senador. Dá o que pensar... A nossa conversa foi muito proveitosa para mim. Mas, quando poderemos voltar a conversar?
– Nos próximos dias vou me ocupar muito. Você vai ver os escândalos que abalarão e enxovalharão este Senado Federal. Disputas por poderes. Tenho trinta e cinco senadores que votam conosco, e há mais cinco querendo negociar para ficar do nosso lado, porque ainda não conseguiram pagar as dívidas de campanhas. Na Câmara...
– O Aécio tá com o senhor?
– Sim, sim, já abrimos o canal de comunicação. O Aécio será o nosso braço forte lá na Câmara. Agora, você pode conversar aqui com os meus principais assessores, o Jair, o Bolsa e o Naro. O Jair cuida das questões de inteligência, é ele quem monitora os parlamentares que estão comigo. Mesmo quando o voto é secreto, o Jair sabe de que lado o cara votou. Observe, se eu fecho acordos com a Odebrecht, com a Vale ou com o governo para aprovar Medidas Provisórias, Decretos ou Projetos de Lei, o grupo tem que estar fechado no acordo. O Bolsa cuida das arrecadações e administrações dos negócios. Quando a parte interessada acerta com o Bolsa, ele dá o sinal verde e a votação tem que sair. Já o Naro fica responsável pelas questões sociais com o meu eleitorado; é ele quem atende aos pedidos, encaminha as pessoas, socorre as pessoas necessitadas, desempregadas, afligidas e na iminência de cometerem suicídios. Costumo dizer aqui que o Naro é o nosso Francisco de Assis. Portanto, doravante, poderás conversar com esses meus quadros, porque não terei mais tempo. Taí, lembrei-me agora, podes pedir ao Mourão para conversar com o Jair. Pode ser que o Mourão, no entendimento das massas, seja um general malandreado, esperto, não um general casca grossa que venha com aquele papo de Armas Nacionais, Hino Nacional, Bandeira Nacional, Símbolos e Signos Nacionais, Espada do marechal Mascarenhas de Moraes e etecetera. Tu sabes que ninguém acredita mais nessas coisas! Um Brasil que sai de uma crise para mergulhar em outra, para submergir em uma próxima muito pior que as crise anteriores, não permite mais que se dê crédito a discursos vazios. Aliás, neste contexto de Terceiro Milênio, um general do Brasil deveria ser um indivíduo douto, com formação elevadíssima, conduta ilibada e capacidade reconhecida de administrar a coisa pública, respeitando os direitos do público. Mas, neste Brasil um general não é um servidor da Pátria de elevada competência, mas uma divindade satânica, sanguinária, crudelíssima. Neste Brasil, um general é um deus Baal, que impõe aos seus balains hecatombes devastadoras. Aponte-me uma obra de reconhecida relevância escrita por um general. Desde a minha adolescência em uma Favela de Queimados que perdi a crença naquele papo. Mesmo na escola que deveria ser o espaço do civismo, como reforçar valores para um aluno que está apertando um baseado de maconha para fumar com os colegas? Ou então preparando um cachimbo para consumir crack, ou tirando um pino de pó da sua mochila de materiais didáticos, para dar cafungadas estrondosas? E tudo isso em sala de aula.
– Senador, foi um imenso prazer!
– Igualmente.
Finda a audiência, a autoridade parlamentar chamou o chefe de gabinete:
– E o pessoal do Ceará?
– Edinardo quase não se apresenta mais, o Belchior faleceu e o Fagner segue sozinho.
– Não estou tratando de artistas, estou falando de negócios políticos.
– Ah!
– Avise lá agora! Se os valores não forem depositados até a tarde de hoje vou mandar os mano tocarem horror lá.
Serrinha, 19/01/19
*PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB. EM EUCLIDES DA CUNHA.
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