GALPÃO GAÚCHO
GALPÃO GAÚCHO
por José Plínio de Oliveira*
O POETA DOM FRANCCESCO LORENZONI morreu na cidade de Gramado para onde havia se deslocado, após desvairada
carraspana; convidado que fora a ser jurado do Festival de Cinema. Logo na
entrada da cidade, parou na churrascaria-pousada Galpão Gaúcho com seus auxiliares a servirem-se do repasto
vespertino. Percebendo no enorme salão uma adega requintada, Dom Franccesco
pôs-se a provar vinhos, depois passou a tomar conhaques até que, por fim, fez
opção pelo popular mesmo: a cachaça brasileira de que era obstinado devoto. Um
jovem assessor o alertou:
– Poeta, olhe o evento!
– Poeta, Gaúcho ê MACHO!
– Sim, não sê discute. Mas o
senhor tem um compromisso com o evento.
– Queres me encher o saco agora, tchê! Garçom,
por favor, sirva-me mais um cálice daquela que me trouxeste há pouco.
– O senhor já não está mais na
idade dê...
– Ora, que sê foda!
Alta noite, completamente bêbado
e às quedas, o vate cambaleante foi levado a uma suíte na parte térrea do
estabelecimento, com ampla janela de vidro para um florido jardim. Na manhã seguinte,
foram os auxiliares despertá-lo para o Festival, mas encontraram-no
absolutamente morto. Logo a notícia espalhou-se por toda a Gramado e por todo o
Rio Grande do Sul. Os organizadores do evento cogitaram cancelá-lo, mas haviam
recebido delegações, também, de outros países. Além disso, as expectativas
sobre o Festival de Cinema de Gramado eram muito promissoras.
Ainda muito jovem, Dom
Franccesco Lorenzoni viajou para Cuba, aliando-se a Fulgêncio Batista de quem
tornou-se grande amigo. Vivendo como um nababo em Havana, e a expensas do
governo, punha-se a jogar cartas com o ditador cubano e lacaio do Imperialismo
Estadunidense, a sorver tequila, a fumar charutos e a frequentar muchachas. Depois de ter vivido longo
tempo a bel prazer na Ilha, decidiu voltar ao Brasil; desembarcando em Porto
Alegre. Mas, certa noite, cercado de garotas de programas em um bordel do Cais
do Porto, ouviu de um marujo portenho que havia sido deflagrada em Cuba uma
Revolução Socialista para destituir Fulgêncio Batista do poder. Não teve
dúvidas, arrumou as malas e embarcou para a Ilha onde foi juntar-se aos
Revolucionários, para lutar contra o caudilho ao lado de Camilo Cienfuegos.
Revelou-se bravo combatente. Todavia, na proporção em que os guerrilheiros
avançavam pelos campos, Dom Franccesco sempre terminava por esbarrar em uma
taverna, uma venda, uma bodega ou um alambique onde punha-se a bebericar aguardente
e a contar picantes piadas dos pampas gauchescos para os companheiros
camponeses.
– Sabem aquela do papagaio?
Inicialmente, o Comandante Cienfuegos achava
bem proletária aquela interação social saudável do companheiro brasilenho com o povo da terra. Porém, toda
vez que os revolucionários acantonavam em algum lugar, Dom Lorenzoni logo
descobria um comércio de bebidas e espraiava-se debruçado no balcão. Fuzil nas
costas voltadas para rua, punha-se a bebericar e a piadear, para os
companheiros camponeses rirem a ilhargas. Algum tempo depois, ao longo da
marcha, passou a ser conduzido das vendas e tavernas ao acampamento em estado
de completa embriaguez; amparado por dois guerrilheiros; mas, não obstante, nos
intervalos entre um porre e outro era
de uma bravura incomparável, prestando relevantes serviços à Revolução. Estrategista
brilhante, quando sóbrio, era o braço
direito do Comandante Camilo. Até que em 31 de dezembro de 1959 foi ferido
em combate nas proximidades de Havana. No dia seguinte, com a vitória da
Revolução, foi hospitalizado. Fidel Castro acompanhado de Che Guevara,
Cienfuegos e outros comandantes foi condecora-lo no leito hospitalar. Durante o
tratamento, Francesco Lorenzoni passou a ser acometido de alucinantes
compulsões alcoólicas, levando os médicos a prescrever-lhe cálices de
aguardente em horários regulares. Dessa forma, iniciou a sua produção poética
incomparável, escrevendo em primeira mão Cancioneiro
Revolucionário de Sierra Maestra e, logo após, Poemas das Lutas Latino Americanas. Sua obra prima teve enorme
repercussão no mundo das Letras.
Quando decidiu retornar ao Rio
Grande do Sul, Lorenzoni o fez passando pela Argentina. Em Buenos Aires, foi
apresentado ao escritor Jorge Luís Borges de quem se tornou um grande amigo.
Borges já conhecia a obra do vate gaúcho e o incentivou a publicar Poemas das Lutas..., o que ele concordou
desde que sob pseudônimo. No prelo, a primeira edição já estava esgotada, da
mesma forma as que se seguiram.
Ao amanhecer de uma sexta-feira
de julho, Dom Franccesco Lorenzoni desembarcou em Porto Alegre já vivendo de
abastados direitos autorais. Então voltou a mergulhar nas noites boêmias da
cidade. Nelas, enquanto beliscava iguarias e sorvia tragos em boates,
restaurantes requintados, churrascarias e etc. escrevia, escrevia, escrevia...
Bêbado, debruçava-se sobre seus escritos e dormia profundamente. Daquela forma,
Dom Franccesco Lorenzoni elevou a Poética Gaúcha aos níveis mais elevados da
Literatura contemporânea. Logo, escritores renomados do Rio Grande do Sul
percebendo a grandeza e a beleza da poesia escrita por Lorenzoni; com ele
alcoolizado; passaram a subtrair-lhe os textos e a publicá-los como das suas
próprias lavras. Apelidaram-no de Loro, aproximaram-se mais intimamente dele e
passaram a embriaga-lo como muito mais frequência, visando a obter mais e ainda
melhores obras.
No fulgor de uma noitada gaúcha,
numa das casas noturnas mais renomadas de Porto Alegre, dois grandes poetas
disputavam textos escritos por Dom Franccesco, sobre que achava-se ele escornado.
Um dos poetas tentou abater o concorrente com uma adaga; mas o golpe foi atenuado pelo tirador com que o homem se idumentara. Passados alguns dias, Lorenzoni
jantava com Mário Quintana no restaurante de um hotel e assistiam a um jornal
de televisão sobre fatos políticos de Brasília, então Dom Lorenzoni vaticinou:
– Ainda hei de ter um
descendente com Gabinete no Palácio do Planalto.
Serrinha, 02 de junho de 2019.
*PROFESSOR
DE LITERATURA BASILEIRA NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS –
CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB. EM EUCLIDES DA CUNHA.
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