Canudos à Contraluz Na Cultura Literária

A ESCALADA DA VIOLÊNCIA E O CRIME ORGANIZADO OFICIAL NA ÁREA DE INFLUÊNCIA DIRETA DO SERTÃO DE CANUDOS


A ESCALADA DA VIOLÊNCIA E O CRIME ORGANIZADO OFICIAL NA ÁREA DE INFLUÊNCIA DIRETA DO SERTÃO DE CANUDOS
                                                                                                     por José Plínio de Oliveira*


                 Os discursos veiculados pelas aparelhagens cibernéticas da Região do Sisal do Estado da Bahia, portanto, nesta área de influência direta do Sertão de Canudos, noticiaram que no dia 20/02/2019 uma jovem de 17 anos assassinou a facadas uma outra menina da mesma idade na sede do município de Cansanção, aqui mesmo no Sertão da Bahia. Logo no dia 21 do mesmo mês e ano em curso, o corpo da vítima foi encontrado carbonizado na localidade de Lagoa dos Cavalos, meio rural do município em que se deu o fato, e no dia 27/02 a polícia localizou e prendeu um jovem loiro com características antropológicas de soldado nazista, do tipo que aqui no Sertão é chamado de galego; apontado como responsável pela ocultação do cadáver da jovem assassinada e seu translado delituoso para o local em que foi encontrado. Data vênia, considerando a gravidade alarmante desse crime hediondo que chocou a comunidade, convém arguir às Instituições Austeras e Completas do Estado, para se verificar se os nossos jovens não estão reproduzindo as barbáries truculentas perpetradas pelo CRIME ORGANIZADO OFICIAL e por ele assediados, como forma de exploração, marginalização e submissão de corpos dóceis para ostentação de Poder e Hegemonia da parte  da DELINQUÊNCIA OFICIAL – sob cujos ônus, relatos de vítimas e de testemunhas estarrecem – e, em consequência, também incidem sobre indivíduos muito jovens com personalidades ainda não devidamente formadas e vulneráveis a assédios e inserções forçadas, na cartografia do crime. Convém ainda refletir que as formas de marginalizações sistemáticas das demandas infanto-juvenis aqui neste Sertão da Bahia vêm assumindo proporções catastróficas. E de certo modo envolvendo também o público feminino destas plagas sertanejas, e suscitando o convencimento de que esta parte do interior baiano passa a carecer de uma Educação Escolar Pública de Qualidade e Inclusiva, para o resgate da cidadania plena. Porque os índices de assassinatos de jovens e adolescentes, contabilizados semanalmente, passam a alarmar e a disseminar patologias de compleições mentais neste universo do medo e do pânico construídos pela Escalada da Violência naqueles que permanecem vivos; mas historicamente esses índices não eram predominantes nesta realidade Social e Humana. Portanto, se não forem adotadas ações educativas concretas de valorização da Vida Humana e da sustentabilidade da PAZ, até o ano de 2030 vamos contar com mais de 40 mil jovens assassinados, somente nesta região, em um Brasil em que a população humana está envelhecendo, precisando de braços jovens para substituí-la.   
     

            Não é habitual neste sertão baiano episódio de violência física perpetrado por mulher, principalmente contra outra mulher, pelo contrário, historicamente nesta parte do Nordeste as mulheres é que são vítimas de violências hediondas; não obstante a Lei Maria da Penha e demais institutos legais. Neste contexto caatingueiro, raramente algumas mulheres lançam mão de feitos violentos. Quando ocorrem, são para defesas de si próprias ou de suas proles. Portanto, o fato ocorrido em Cansanção traz em si um dado novo em nossa cultura, e pela forma como foi praticado leva a pensar.

            Tendo sido dessa forma o crime, convém pensar: em que pese o respeito devido a outros povos, nós caatingueiros e caatingueiras, somos um Povo Extraordinário e não sabemos. Nossas Irmãs Mulheres, são Mulheres Extraordinárias! Entre outras, conforme a memória de Dona Maria Francisca Macambira, uma das grandes heroínas de Canudos, legou testemunho. Também nos deixou legado de grande testemunho o velho Gomes Buraqueira, que foi uma grande referência de PAZ em Cansanção e adjacências; principalmente ao longo do tempo da Guerra de Canudos; deixando-nos um pleito memorável e um patrimônio histórico de que não se pode abdicar. Portanto, não merecemos sofrer as atrocidades da Escalada da Violência que nos têm afligido sem trégua. Basta um mínimo de respeito – mormente da parte do CRIME ORGANIZADO OFICIAL – para que o Povo da área de influência direta do Sertão de Canudos alcance as grandezas que lhes são de Direito, supere as agruras da violência e as impudicícias que lhes são execradas pelo anedotário brasileiro. A propósito, lembro-me de que chegando na cidade de São Paulo, em 1966 – ainda muito jovem – tive a infelicidade de ler escrita em caixa alta em uma edificação daquela metrópole, a frase: AJUDE MANTER A CIDADE LIMPA, MATANDO UM BAIANO POR HORA. Creio hoje, depois de exaustivas leituras, que a máxima paulista, em tese, não pretendia ferir a dignidade da pessoa física do trabalhador e migrante baiano, mas a pessoa jurídica do Estado da Bahia.   

            Todavia, os ônus daquele anedotário macabro, preconceituoso e torpe, terminavam por aguilhoar a nossa gente com fulcro na cultura do cangaço, do jagunço, do banditismo bandoleiro e de outras demandas de violências, construídas sob a égide dos Poderes Políticos Dominantes; o fato é que as ações de generosidade, de fraternidade, de PAZ, de bondade e compaixão da parte do povo pobre e flagelado da região de Canudos superam em muito os fatos violentos; exceto aqueles perpetrados pelo CRIME ORGANIZADO OFICIAL DO ESTADO DE DIREITO ou por ele estimulados e manipulados. O CRIME OFICIAL impõe a Cultura da Violência endêmica.  


            É imprescindível refletir, a propósito da Cultura da Violência que nos ameaça, submete e persigna por este Sertão adentro que um crime da natureza do ocorrido em Cansanção infere uma extensa rede histórica axiomática, que não pode ser pensada sem levar em conta as manipulações espúrias da parte do BANDITISMO OFICIAL, que subjuga e marginaliza principalmente os públicos jovens e infanto-juvenis, manipulando as linguagens vociferadas pela Indústria Cultural de Massas.

            Não se trata de falso moralismo, pseudo perfeccionismo nem, tampouco, crítica mordaz e voraz. Mas a Indústria Cultural patrocinada pelo Estado com desperdício corrupto de dinheiro público no Sertão da Bahia, para fazer proliferar “festas públicas”, em que bandas vagabundas vociferam linguagens obscenas e espúrias sobre as massas oprimidas e vilipendiadas; visando à cooptação de eleitores alienados; propugnando pela violência, pelo abuso de drogas, pelo narcotráfico e pelas perversões sexuais exacerbadas é uma catástrofe! A “festa” é a principal ocupação de jovens marginalizados, excluídos, desempregados, analfabetos, alcoólatras e usuários de drogas que são forçados a ingressar na vida do crime, ao invés de fazê-lo à Educação Escolar. Na verdade, são persuadidos e condicionados a roubar, assaltar e praticar outros delitos, visando a obter dinheiro “para as festas” que os Poderes Públicos impõem, em detrimento dos sentimentos afetivos e outros valores inerentes a indivíduos humanos. Nesta perspectiva de leitura, se essas culturas e demais linguagens passarem a ser estudadas pela Ciência – sem sombra de dúvidas – revelarão as raízes mais profundas da Escalada da Violência, inclusive simbólica, porque nessas “festas” persiste uma linguagem sórdida e condicionante de execração repugnante do corpo da Mulher, do sexo da Mulher. Preferencialmente a Mulher Negra e a Mulher Pobre são a maiores vítimas. Como erradicar a cultura da Violência neste contexto de pretensa baianidade carnavalesca?


            Deve haver, e há, uma obsessão nefanda e promíscua pela depravação absoluta da sexualidade feminina em alguns espaços remotos do Sertão da Bahia, por ocasião de eventos festivos financiados pelo Poderes Públicos Constituídos. É estranho quando em uma pequena cidade deste imenso Sertão, meninas lindas, integrantes das chamadas bandas, sobem a palcos para deplorar os seus próprios corpos, os seus próprios sexos, visando a aplausos entusiásticos da galera e também ao agrado fácil das massas oprimidas e dos patrocinadores das “festas”. Bandas que na maioria das vezes recebem cinco mil reais dos cofres públicos por suas apresentações, mas, assinam notas frias em valores acima de quarenta mil reais; para que o Estado possa vender imagens de “falsa alegria”, presumindo ludibriar o mundo e acobertar as nossas tragédias humanas – às custas de tantos flagelos sociais, afetivos espirituais e morais –, ocultando as grandes tragédias violentas que incidem sobre populações flageladas e marginalizadas das áreas mais opacas deste Grande Sertão Baiano.

             Bandas dos tipos “Cadelas Vagabundas” ou “Prostituta do Caralho” funcionam como linhas de montagens para a Indústria Cultural da Violência. Dessa forma, a fabricação do meliante infanto-juvenil decorre das Políticas Públicas implementadas pelo Estado Carnavalesco. E o marco regulatório dessa carnavalização é a morte violenta. Há pequenos municípios do Estado da Bahia em que a vida humana não tem nenhum valor e já se constatam índices de violências somente comparáveis a áreas críticas da Baixada Fluminense. Logo, também em consequência dessa cultura de degradação erosiva da vida e da Dignidade da Pessoa Humana, há rapazes jovens que estão se relacionando sexualmente entre si, porque já não conseguem aproximações com mulheres, dadas às abjeções a que o sexo feminino é conspurcado. É um verdadeiro descalabro! E é neste contexto que se cartografa a geografia da violência no Grande Sertão de Canudos.    
     

             Portanto, pensar a geografia da violência construída no Sertão de Canudos implica, também, refletir tanto sobre o crime bárbaro ocorrido em Cansanção quanto sobre a corrupção oficial nefasta, o provincianismo caudilhesco truculento e a leviandade promíscua e troglodita, propugnada e imposta pelo BANDITISMO OFICIAL nas plagas remotíssimas deste Sertão tripudiado e subjugado, propulsionando a Escalada da Violência. Neste sentido, por analogia, o crime bárbaro praticado em Cansanção não difere tanto dos crimes simbólicos que “carbonizam” o corpo humano da Mulher, do pobre e do flagelado ao extremismo do abjeto e do anátema. Será que a região de Cansanção será constrangida a suportar os ônus maléficos da dianteira da geografia da violência?

             O atual município de Cansanção vem de saudável compleição pacífica, histórica e cultural na esfera cerebral do Sertão de Canudos. Sendo assim, o contexto de Cansanção conclama a pensar. Mas, pensar a Bahia neste contexto sócio-histórico-cultural contemporâneo dói como um espinho de mandacaru cravado no âmago do coração.   

             Situada entre as cidades de Queimadas e Monte Santo, na medula do eixo mesológico delineado pelo escritor Euclides da Cunha, a cidade de Cansanção no Terceiro Milênio, talvez, estivesse predestinada a preservar uma memória respeitável em razão do que foi a sua natureza pacífica, generosa, acolhedora e hospitaleira, preponderante para os estudos culturais nesta parte do Nordeste. Nesta perspectiva de estudo, logo no século XVIII quando o Frade Capuchinho Apolônio de Todi, saindo da Terra Indígena de Massacará alcançou a Serra de Piquaraçá, transformando-a em Monte Santo e consagrando-o à devoção à Divina Santa Cruz; mobilizando grandes demandas de romeiros que se deslocavam a pé das mais diversas regiões da Bahia para obterem graças e milagres aos pés da Santa Cruz de Monte Santo, Cansanção foi conquistando notoriedade de lugar de acolhimento pacífico.   


             Naquele contexto histórico-cultural de Fé e Esperança, as romarias que pousavam no então povoado de Cansanção, rumo à Santa Cruz, conduzindo pessoas enfermas, extenuadas, estropiadas, sedentas e famintas em busca de curas físicas e espirituais, passaram a encontrar ponto de apoio no pequeno satélite da constelação da Santa Cruz: Cansanção. Assim, a pequena estrela passou a brilhar com maior intensidade e as demandas de peregrinos tornaram-se de tal forma ainda mais numerosas e intensas que os frades capuchinhos, oriundos do convento da Piedade em Salvador, estabeleceram em Cansanção uma espécie de hospital de socorro, para oferecer assistência ao povo das romarias. Depois, com a construção da Estrada de Ferro de Salvador a Juazeiro e com a estação de trens em Queimadas, os desembarques das levas de romeiros flagelados, inclusive, vão aumentando a importância da acolhida religiosa em Cansanção muito mais ainda. A era do século XIX em que se destacava naquele ambiente de PAZ a pessoa do Frei Pedro Sinzig – alemão naturalizado brasileiro – ordenado na Bahia. Homem de letras, douto e de esmerada cultura europeia; músico, poeta, homem de imprensa, editor e pensador, Pedro Sinzig foi o maior interprete da natureza harmoniosa de Cansanção, muito trabalhando na comunidade em benefício do outro. Mas, entretanto, com o advento da Guerra de Canudos, o vilarejo de Cansanção, que foi território neutro durante a turbulência castrense, não obstante, passou a ser tripudiado pelas incursões das ameaçadoras tropas militares; mobilizadas contra o povo de Antonio Conselheiro – quase todas elas passaram por Cansanção – exceto a Primeira Expedição, comandada pelo tenente Pires Ferreira, que ao invés da estação de Queimadas, desembarcou na de Juazeiro, e a Brigada Savaget que marchou para Canudos por Sergipe, mas retornou para o Rio de Janeiro por Cansanção – e em que pesem as passagens dos militares – Cansanção jamais deixou-se abater pelo medo ou esmorecer na Fé; acolhendo as forças militares e as pessoas feridas na intervenção bélica com o mesmo espírito de fraternidade, generosidade, bondade e hospitalidade com que há mais de século amparava os romeiros de Monte Santo.

            Em Monte Santo foi instituída a 2ª Base de Operações Contra Canudos; Queimadas era a 1ª; e com as atrocidades hediondas perpetradas pela IV Expedição Militar, comandada pelo general Arthur Oscar, as demandas de pessoas feridas, mutiladas, órfãs e agonizantes em Canudos aumentaram sobremaneira. Aliás, sem falar nos seguidores de Antonio Conselheiro que foram decapitados pelas forças militares e, também carbonizados ainda vivos em Canudos, inclusive mulheres gestantes, pessoas idosas, crianças e até bebês.

            Em setembro de 1897, o povoado de Canudos estava literalmente cercado por uma espécie de cinturão militar. As tropas distribuíram-se estrategicamente ao redor do povoado, e os comandantes mandaram atirar galões de querosene sobre os casebres humílimos e deflagrar neles tiros de canhões, baseados no Alto da Favela. Os galões de querosene explodiam como as bombas de Hiroshima e Nagasaki dentro de Canudos, causando hecatombes infernais, quando a temperatura ambiente da terra já atingia níveis em torno de quarenta e cinco graus Celsius. As pessoas enfermas e estropiadas que conseguiam escapar do fogo, e as crianças cujos genitores foram mortos corriam apavoradas por entre as chamas, chorando e tentando ultrapassar o cerco dos soldados para alcançar o regaço benfazejo da caatinga, mas eram presas pelos militares para depois serem conduzidas a Salvador ou a um campo de concentração que o governo determinou em Alagoinhas. Então, para resgatá-las das agruras da Guerra e das penúrias dos caminhos tortuosos, foi organizado o Comitê Patriótico na capital da Província da Bahia, cabendo ao jornalista Léllis Piedade instalá-lo em Cansanção. Portanto, até prova em contrário, a primeira ONG empenhada na defesa da VIDA HUMANA na América Latina funcionou em Cansanção.


             Naquele período da Guerra, Léllis Piedade que foi impedido pelo Exército de instalar o Comité Patriótico em Monte Santo, ficando assim mais próximo de Canudos para prestar melhor e mais pronto atendimento às vítimas do conflito bélico, abandonadas pelo Estado, teve que trabalhar em Cansanção onde prestou relevantes serviços à VIDA HUMANA. Óbvio que Léllis Piedade não contava com muitos recursos científicos, mas, entretanto, o Amor, a Compaixão, a Fraternidade, a Caridade e a Misericórdia foram providenciais para salvar centenas de VIDAS HUMANAS. A VIDA podia estar por um fiapo, mas os esforços para salvá-la não minguavam em Cansanção; o que lembra a pregação do profeta ao anunciar a vinda do Messias: “Não quebrará a cana que já está rachada, nem apagará o pavio que está para se apagar. Promoverá fielmente o direito”. (Is 42, 3). Pode-se afirmar sem sombra de dúvidas que essa profecia foi levada às últimas consequências pelo Comité Patriótico. E por Cansanção passaram sob os cuidados de Lellis Piedade entre militares, civis auxiliares, jornalistas e afligidos pela Guerra, figuras que fizeram história: o jaguncinho de Euclides, o órfãozinho que os generais deram de presente a Euclides da Cunha e este teve a dignidade de deixa-lo aos cuidados de uma família de educadores paulistanos, de que o jaguncinho recebeu o nome de Ludgero Prestes, estudou no Colégio Caetano de Campos – quiçá um pouco antes da era de Patrícia Galvão, Pagu, que também foi aluna daquela Escola, da elite de São Paulo.

             O jaguncinho de Euclides, como foi nomeado, formou-se em magistério e exerceu a cadeira inicialmente na cidade de Serra Negra, no interior paulista, onde constitui família. Também passando por Cansanção, a jaguncinha Maria Francisca Macambira, que ainda criança, entre outras, foi ferida na Guerra e nela perdeu a família; sendo conduzida aos cuidados de Léllis Piedade em Cansanção e, dada a gravidade dos seus ferimentos, levada para tratamento médico especializado na capital da Bahia; mas ficou com um defeito físico por toda a sua vida. Depois do tratamento de saúde na capital, pediu para retornar a Canudos. Léllis Piedade providenciou-lhe os meios e concedeu-lhe um Salvo Conduto, uma espécie de passaporte que possibilitava aos sobreviventes da Guerra retornarem para Canudos sem serem trucidados pelo aparelho repressivo do Estado. O ódio ainda era muito grande. De volta a sua terra, Dona Maria Francisca juntou-se aos demais sobreviventes que também iam retornando; juntos reconstruíram o povoado a partir das cinzas e escombros deixados pela Guerra. Canudos ressurgiu como uma Fênix, erigida pela mesma Fé de Antonio Conselheiro. Pela Fé, Dona Maria Francisca constituiu família e quando o historiador José Calasans foi a Canudos na década de 1950; pela imensa Gratidão; ela quis saber se Léllis Piedade ainda era vivo.

             O trabalho abnegado e prestimoso de Léllis Piedade à frente do Comitê Patriótico, desde o princípio no Sertão de Canudos, não teria sido exitoso sem a cooperação devotada do velho Gomes Buraqueira, antigo proprietário rural estabelecido nas proximidades do então minúsculo povoado de Cansanção. Gomes Buraqueira, entre outros, foi uma personalidade exponencial antes, durante e depois da Guerra, tornando-se mais célebre ainda nas páginas de Os Sertões e de outros escritos, na demanda áspera e árida rumo a Canudos:

Em Cansanção atreguaram-se estas impressões cruéis. Houve por duas horas um remanso consolador. O vilarejo era um clã. Pertence a uma família única. O seu chefe, genuíno patriarca, congregara filhos, netos e bisnetos em ovação ruidosa ao marechal, o monarca, conforme bradava convicto, numa alacridade ingênua e sã, ao alevantar nos braços cansados de um labutar de oitenta anos o ministro surpreendido.
Esta escala foi providencial. Cansanção era um parêntese feliz naquele desolamento. E o robusto velho que o governava, surgindo blindado de uma satisfação sadia ante homens que nunca vira, e apresentando-lhes um filho de cabelos brancos e netos quase grisalhos, era, por sua vez, uma revelação. Antítese do facínora precoce de Queimadas, revelava, animadora, esta robustez miraculosa, esta nobreza orgânica completada por uma alma sem refolhos, tão característica dos matutos, quando os não derrancam o fanatismo e o crime. (Cunha, 1979, p. 351-352).

             O “monarca” era o marechal Carlos Machado Bittencourt, Ministro da Guerra da então República dos Estados Unidos do Brasil, que deslocou-se do Rio de Janeiro – capital federal – com o seu Estado-Maior, para comandar pessoalmente o holocausto de Canudos; instalando temporariamente o Ministério da Guerra na sede da Intendência Municipal de Monte Santo. O Ministro não chegou a ir a Canudos, comandou o extermínio do Povo de Antonio Conselheiro a relativa distância.

             Surpreende que o velho patriarca de Cansanção, apesar da idade avançada, ainda imaginasse que o Brasil era governado pelo Imperador Dom Pedro II, o “monarca”, conforme presumia “convicto”. Dessa forma, “o genuíno patriarca” de Cansanção, apesar dos seus oitenta anos de idade, ainda não sabia que Pedro II havia sido destronado por um golpe militar, e aí sim, surgiu no Brasil com a proclamação da República uma Monarquia Militar de que mesmo a democracia contemporânea, de algum modo, é tributária. Neste sentido, o velho sertanejo como um profeta teve um inshigt Espiritual revelador naquele setembro em 1897, reconhecendo a Monarquia Militar do Brasil! Portanto, a Monarquia Militar do Brasil foi proclamada em Cansanção em pleno Sertão de Canudos com a “ovação ruidosa” ao Ministro da Guerra. Em que pesem algumas tréguas ridículas, essa Monarquia jamais foi destronada e, dessa forma, os generais não se portam como servidores da Pátria, mas como proprietários dela; de direito e de fato. Aliás, há poucos dias, em um discurso surpreendente em cerimônia militar, o atual capitão-presidente reconheceu “numa alacridade ingênua e sã”, e uma sinceridade sem precedentes, que a democracia no Brasil é uma concessão benfazeja e complacente das forças armadas; da Monarquia Militar. Jamais se constatou tamanha Sinceridade neste país. Embora essa “alacridade” tão “ingênua”, tão sincera e tão “sã” da parte de um presidente da República, não é tão consoladora para as vítimas do Regime ou da Monarquia Militar do Brasil e, certamente por isso, tenha causado graves turbulências inclusive nos âmbitos dos demais Poderes Constituídos da República Federativa do Brasil, que foram comparsas do sanguinário Golpe Militar de 1964 e agora têm medo de outra ditadura castrense. Embora sejam obrigados a viver sob uma Monarquia desse gênero. De qualquer forma, o discurso presidencial foi preponderante, porque deixa evidente que “o robusto velho que governava um remanso consolador”, ainda hoje tem razão. Agora, causa espécie que um sertanejo de “robustez miraculosa” e tão elevada “nobreza orgânica” não tivesse conhecimento de que a principal resistência e pregação impávida de Antonio Conselheiro, era justamente contra a República recém proclamada, que deu ascensão à Monarquia Militar do Brasil, usurpando o trono do Imperador. Mas, Data Vênia, Pedro II não foi menos truculento do que os militares que o apearam do poder. Ele próprio reprimiu com mão de ferro e extrema violência algumas sublevações incipientes, assim como opositores odiados. Por exemplo, o genitor do Padre Ibiapina que, não obstante acamado por enfermidade grave, foi assassinado pelo coronel Conrado Niemeyer, a mando de Pedro II.     
             
             O mesmo ódio com que o Império trucidou as suas vítimas foi imposto pela República contra a grei de Antonio Conselheiro. Porém, em meio a tantos descalabros, ainda emerge como um oásis moral a figura de Gomes Buraqueira, radicalmente contrário a qualquer forma de ódio ou violência, reverenciado tanto por militares quanto por aqueles que o conheceram de perto ou dele tiveram conhecimento histórico, conforme relatos confiáveis:

Em 1897, o velho Buraqueira morava nos arredores de Cansanção, pequeno povoado na estrada Queimadas-Monte Santo. Segundo Euclides da Cunha, seu nome era Gomes Buraqueira e tinha “oitenta anos bem contados”. O repórter d’O Estado de São Paulo ficou impressionado com a força física do ancião que “alevantou por três vezes, num amplexo formidável”, a um metro de altura, o coronel Calado, oficial superior do Estado-Maior do Ministro, marechal Machado Bittencourt. Euclides falou assim num artigo para o diário paulista. No livro famoso, porém, o homem alevantado foi o próprio titular da pasta.

O velho Buraqueira não era jagunço, nem antijagunço. Apresentava-se antes de tudo como um sertanejo, o que vale dizer, um forte. Ele se destacou pela hospitalidade. Militares, jornalistas, acadêmicos, tropeiros que passaram por Cansanção receberam acolhedor tratamento. Um banco de madeira para descanso, um copo d’água para mitigar a sede naquele sertão árido, uma xícara de café que os viandantes não esqueciam. Quem passou pelo arraial nos dias tenebrosos da Guerra de Canudos guardou uma boa lembrança do octogenário hospitaleiro. Léllis Piedade que calculou 72 anos para o velho, bebeu uma caneca de água fria e um café quente em sua casa, dele recebendo mesas e bancos de madeira para a instalação do Comitê Patriótico naquele distanciado ponto sertanejo. O acadêmico de medicina Francisco Xavier de Oliveira (16: p. 155), no trabalho “Reminiscências da Guerra de Canudos”, publicado na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (vol. 69-1943), relatou o encontro do seu grupo de estudantes com o Buraqueira. “Mal nos íamos aproximando, sai de lá um velho desempenado, alto, espadaúdo, tez acobreada, cabelos quase lisos e alvos. Vem na nossa direção com ar acolhedor. Identificamo-lo logo pelas notícias que se nos tinham dado desse elemento de ordem. O narrador não se conteve e exclamou: “Velho Buraqueira”. Em cima das buchas veio a resposta: “Aqui estou na vossa beira, vossa senhoria”, Foi uma demonstração recíproca de alegria entre o octogenário forte e a turma moça ali presente. Tomaram, depois, um café saboroso, trazido num bule grande por um menino, como o velho chamou a um dos filhos, tão alto quanto ele”. (Calasans, 1986, p. 96-97).

             Gomes Buraqueira foi uma espécie de Ministro das Relações Exteriores do Grande Sertão de Canudos. Não tomou nenhum partido na Guerra, não foi “jagunço, nem antijagunço”, mas elevou a diplomacia caatingueira aos píncaros das virtudes sertanejas. A sua natureza de homem virtuoso, simples e cordato era conhecida na região muito antes da Guerra. Aliás, característica do sertanejo forte. Bem a propósito, nas minhas incursões pelo Sertão de Canudos, contou-me certa feita um trabalhador rural do município de Cansanção que um seu ancestral, contemporâneo e vizinho de Gomes Buraqueira, costumava narrar para a família que, a princípio, o velho “patriarca” não gostava do apelido que lhe foi imputado pelos vizinhos: “Buraqueira”. Mas, ia suportando na medida do possível.

             Os homens daquelas redondezas costumavam frequentar uma casa de comércio na Fazenda Cajueiro, hoje cidade de Nordestina, onde aos domingos eram realizados abates de gado de corte para suprimento das famílias próximas. O senhor Gomes frequentava a casa de negócios onde costumava fazer as suas compras; passando a ser “arreliado” pelos amigos. Um dia, surpreendeu a todos aborrecendo-se e dizendo alguns desaforos; “ofendendo” a um dos “arreliadores”. Então, quando o coronel Moreira César, à frente da sua tropa passou pela Fazenda Tanquinho no rumo de Cansanção, avistou na roça um homem trabalhando; chamou-o e quis saber como chegar ao povoado. O camponês orientou-o: “Vamicê vai siguino nesse mermo rumo, lá adiante tem uma casa de telha bem grande. Vamicê chama o Buraqueira que ele insina a vamicê, chame Buraqueira”. Era o camponês que fora “ofendido” e quis vingar-se do velho Gomes. Quando esse deu por fé, Moreira César estava diante de sua porta, armado até os dentes, ostentando um dólmã sobrecarregado de condecorações, à frente de numerosa soldadesca, chamando-o de Buraqueira. Ora, sob os ônus esmagadores de uma pragmática oprimida, o “velho desempenado, alto, espadaúdo, tez acobreada, cabelos quase lisos e alvos”, aceitou o epíteto de forma pacífica e resignada, carregando-o por toda a sua vida. O homem “ofendido” foi vingado por Moreira César, manipulado pela argúcia sertaneja, sem saber, pouco antes de tombar malferido em Canudos.

             A bem da verdade, Gomes Buraqueira elevou a nossa dignidade pacífica sertaneja ao nível mais alto que podemos almejar, todavia, estamos perdendo sistemática e gradativamente essa elevada dignidade, com todas as virtudes que superabundaram também em Canudos; até a intervenção sanguinária do aparelho militar. Nessa perspectiva de entendimento, não é necessário realizar uma autopsia de Canudos para levantar o legado pacífico, generoso e hospitaleiro do povo do Conselheiro, que de forma implícita ou tácita o velho Buraqueira deu provas irrefutáveis perante a fúria dos generais, aos quais ofereceu préstimos e acolhimentos em Cansanção. Então, uma Embaixada da PAZ enviada pelo governo brasileiro para resolver pendências ideológicas com Antonio Conselheiro e evitar a Guerra, teria recebido idêntico tratamento em Canudos. A narrativa do cotidiano histórico do Sertão de Canudos ainda hoje deixa isso muito óbvio. Mesmo alguns membros da comunidade conselheirista marcados por histórias de violências, a exemplo de Pajeú e João Abade, por exemplo, que sepultaram-nas resgatados pela Fé, teriam recebido o gesto pacificador da República com distinção e cordialidade. Somente a Guerra forçou a ressureição das valentias guerreiras. Dessa forma, passadas as primeiras décadas depois da Guerra, Honório Vila Nova, irmão de Antonio Vila Nova, que viveram e lutaram ao lado do Conselheiro, revelou a Nertan Macedo que mesmo alertado pelos auxiliares mais próximos sobre os movimentos de forças federais com vistas a exterminar o Povo de Canudos, o velho líder apostólico não acreditava que o Estado, mesmo republicano, fosse capaz de ataca-los cometendo barbáries covardes e inomináveis. Tantas crianças, tantas pessoas idosas, tantas pessoas enfermas em Canudos...

             Quando o velho Buraqueira “alevantou por três vezes, num amplexo formidável” e a um metro de altura, o coronel Calado; se foi o caso; este oficial deveria ter interpretado o gesto relevante. Calado, astro de primeira grandeza da constelação castrense, erudito da escola de Benjamin Constant, calou-se literalmente e não foi capaz de exprimir uma única palavra que estancasse a crueldade militar no Sertão de Canudos, e propiciasse o início de uma campanha em prol da CULTURA DA PAZ, através da Educação Escolar de que ainda carecemos. Mas, parece que o silêncio covarde e omisso do coronel Calado amordaça os Poderes Públicos Constituídos até o presente. Por isso, as políticas civilizatórias e desenvolvimentistas não chegam a este Sertão do Estado da Bahia. Somente as vaquejadas é que dominam os debates acalorados dos Poderes da República Federativa do Brasil, como soluções para os nossos problemas gravíssimos de Educação, Violência, Saúde, Inclusão Social e Civilização. Portanto, a mesma cultura da morte que predominou na Guerra de Canudos persiste a reprimir com extrema crueldade o negro, o pobre, a mulher e o flagelado. Além da repressão cruel, covarde e implacável que é Política Pública nesta parte do Nordeste, não se desenvolve nenhuma ação concreta propulsora da PAZ para as demandas infanto-juvenis. Exceto a Cultura da Droga e do Circo em favor da disseminação sistêmica da Violência avassaladora, que se reveste da fachada Pública da “festa”, e não se faz mais nada além de degradação, repressão e exploração degradante do público infanto-juvenil.


             Pedófilos, pederastas, traficantes de pessoas, narcotráfico, receptadores de produtos roubados e até educadores bandidos são vorazes predadores da infância e da juventude desprotegida nas plagas ignotas deste Grande Sertão da Bahia, que “festejam” a primazia do BANDITISMO OFICIAL. Por exemplo: trabalhando como docente em uma Instituição Oficial de Ensino Superior vim a descobrir que uma quadrilha de “professores” da referida instituição assediava jovens negros e adolescentes pobres – pasmem – alunos de escolas públicas, para submetê-los a práticas de corrupções e outros crimes, a pretexto de oferecer-lhes estágios remunerados.

             Tendo vivido grande parte da vida sob forte influência cultural do eixo Sudeste/Sul do Brasil onde, enquanto lá vivi estudei e trabalhei, a Educação Escolar Pública era levada a sério até os extremos pedagógicos. Logo, reuni toda a documentação comprobatória dos crimes perpetrados contra a Educação Escolar e educandos nos âmbitos pedagógicos de uma Instituição Estadual de Ensino Superior, responsável pela formação de professores para atuarem nesta região, e impetrei recursos, inclusive, na Representação do Ministério Público do Estado da Bahia, junto à Comarca do Município de Conceição do Coité, onde ocorriam os crimes. Algum tempo depois, fui intimado na forma da Lei a prestar esclarecimentos naquele órgão do Estado Acusador, o que o fiz prontamente e de lá saí convicto de que os crimes apontados com provas robustas e irrefutáveis seriam devidamente apurados pelo Ministério Público Estadual no interesse da Lei, principalmente visando a resgatar pessoas jovens e adolescentes da exploração sexual, do narcotráfico, de outros delitos e, em consequência, da morte trágica.

             Passados alguns anos, quando me encontrava realizando pesquisa de campo no município de Canudos, fui esclarecido por familiar, via telefone, de que um preposto do referido Ministério Público – o MP – havia telefonado para a minha residência, informando que “o dia que eu quisesse e pudesse”, ligasse para o mencionado órgão público, porque o “promotor queria falar” com a minha pessoa. Incialmente presumi tratar-se de engodo; porque não tendo foro privilegiado nem tampouco relações pessoais com tal indivíduo não podia imaginar uma comunicação de tal jaez. Somente depois é que vim a descobrir que o tal representante do referido MP não tinha condições morais de intimar-me na forma da Lei, exarando documento oficial, o que é de praxe; para não expor os crimes abomináveis que teria que acobertar, visando a favorecer integrantes da DELINQUÊNCIA OFICIAL. Da mesma forma, também não teve condições morais de me notificar nos termos da Lei a respeito do parecer final da apuração.

              Retornando da prática de pesquisa em Canudos, verifiquei o número do telefone que me foi entregue em casa e liguei para a dita instituição oficial. Eu carecia de comprovar o descalabro, embora já conhecesse muitíssimo das articulações levianas da parte do BANDITISMO OFICIAL. De fato, o recado foi confirmado e a pessoa que atendeu ao meu telefonema acrescentou que o dia que eu assim pudesse e quisesse comparecesse ao MP, porque o promotor queria falar comigo. Estranhei, porque se eu quisesse marcar para o ano de 2060, por exemplo, teria sido aceito. Combinei para um dia depois de confirmado o contato, compareci e fui surpreendido por uma situação ridícula, degradante e humilhante perpetrada por uma INSTITUIÇÃO OFICIAL DO ESTADO DE DIREITO.


             A priori, o dito “promotor de justiça” tentou-me coagir e amedrontar, porém, incompetente e leviano. Logo, em exórdio espúrio, caiu em contradições depreciáveis e declinou-me informações estarrecedoras sobre o Estado dito de Direito e seus axiomas institucionais. Informações extremamente perigosas se reveladas a um terrorista, a um líder de facção criminosa ou a um meliante que pratica explosões de caixas eletrônicos de instituições financeiras, ou que vende armamentos para o crime comum. Óbvio que naquelas circunstâncias abomináveis em que a Instituição Pública Oficial é repugnantemente deplorada por membro do Estado Acusador, o trabalhador em Educação estarrecido e com formação teórica e espiritual casuística densa não se promiscui a guardar frases, palavras e discursos de um servidor público que teria o dever legal de salvaguardar a “Pátria Amada”, e a res publica; cumprindo a Lei e defendendo a sociedade. Mas, não obstante, o dito “promotor de justiça” – que poucos dias depois daquela “conversa” foi preso por práticas de pedofilia – chafurdou na lama repugnante e abjeta a dignidade da Lei, do Estado, da Autoridade Constituída e do Ordenamento Jurídico da Instituição Oficial. Daquela forma, dado ao estado de indignação a que o cidadão comum é consternado, é impossível preservar a íntegra do discurso, todavia, preservo impressões compactas, petrificadas do que deixar-me-á consternado por toda a existência. Não por questões de escrúpulos excessivos, mas por razões de consciência.

             Há na consciência humana mecanismos que suscitam necessidades de silêncios. Isto é, nessas ocasiões constrangedoras – por ônus da formação – temos indicalidade e resguardo primário quando, na densa matéria dos discursos que nos bombardeiam, necessidade inata de apagamento, de silenciamento de materiais cruciais. Então selecionamos e recortamos do fundo geral a sensação mais dura e de forma mais compacta, despojando de si o signo em favor do denso significado que alude ao que é indesejável e indecoroso, perante a Instituição do Estado, legislada incólume. O Estado que ministra a formação patriótica e cidadã na Educação Escolar, nega-a na práxis do CRIME OFICIAL. Por exemplo: o dito “promotor de justiça” deixou demasiado óbvio que estava sendo pressionado por uma quadrilha do CRIME ORGANIZADO OFICIAL a arquivar a denúncia, porque a apuração se estenderia por uma rede de crimes que demandam do narcotráfico à exploração sexual de crianças, adolescentes e jovens; levando-os a todas as formas de marginalização. O fato é que, naquele momento, as entranhas e os interstícios da DELINQUÊNCIA OFICIAL foram-me escancarados sem o mínimo escrúpulo.

              A verdadeira natureza do CRIME ORGANIZADO OFICIAL aqui na Bahia foi-me exposta de forma visceral naquela demanda; vindo a transpirar informações de que aquela rede de criminosos – cujos delitos o MP tinha o dever constitucional de apurar – manipula a Lei e os discursos burocráticos do Estado para assediar e explorar meninos pobres e também meninos negros de periferias sociais daqui do interior do Estado da Bahia, para fazerem programas sexuais com Potestades dos Poderes Constituídos. Porque na capital Salvador, segundo a cultura dominante, os garotos de programas são mais profissionais e mais perigosos: praticam extorsões, chantagens, furtos e roubos contra “clientes”, e oferecem riscos de violências para com as Autoridades Constituídas com que se relacionam sexualmente; já os meninos do interior – nessas formas de relações – são apontados como sendo mais humildes, ingênuos, submissos, pacíficos; corpo dóceis; aceitando pequenas gorjetas e não oferecendo riscos de violências. Embora, submetidos a explorações sexuais por parte das elites dominantes, venham a se tornar marginais perigosos. Daí se depreende que a aparelhagem burocrática do Estado de Direito pode ser, por excelência de Poder, instrumento de manipulação inclusive para fins de assédios e persuasões sexuais; com isso o BANDITISMO OFICIAL sabe como tirar proveito, assediando e explorando os meninos pobres, para submetê-los aos detentores dos Poderes Burocráticos. Dessa forma, se MP acoberta, Manum manus lavat.


              Literalmente, a sociedade dominante “lava as mãos” encurralando grandes contingentes de jovens excluídos e marginalizados para se tornarem escravos sexuais a serviço das Elites Exponenciais depravadas. Com isso, os jovens escravizados ingressam no universo das dependências químicas e do crime, e são “condenados” à morte sob a égide do Aparelho Repressivo do Estado e do “silêncio obsequioso”. Todavia, muitas vezes o silêncio é rompido e as narrativas do cotidiano das periferias sociais passam a veicular esses fatos, citando nomes de Potestades dos Poderes Constituídos e expondo suas intimidades, incongruências e taras. Então a crônica periférica do Sertão de Canudos se enche do ridículo e do execrável na pulverização dessas narrativas. Dessa forma, a fisionomia institucional do Estado de Direito é desfigurada e conspurcada perante as massas exploradas, oprimidas e marginalizadas. Nos âmbitos dessas demandas sociais – por força das circunstâncias – não há como se acreditar na Educação Escolar, nas ciências sociais, na política, no governo, na justiça, no ministério público e na Constituição da República Federativa do Brasil. Em lugar dessas Instituições, domina e prevalece o CRIME ORGANIZADO OFICIAL.       
  

                                                     Serrinha, 20 de agosto de 2019.


*PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB. EM EUCLIDES DA CUNHA.

                                            
                                                                                    
REFERÊNCIAS


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CALASANS, José . Quase biografia de jagunços: o séquito de Antonio Conselheiro . Salvador: Centro de Estudos Baianos da UFBA, 1986.
CUNHA, Euclides da . Os sertões . 29 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
DALAI-LAMA, Sua Santidade o . Minha terra e meu povo . Trad. Heloisa Maria Lanari, Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
FOUCAULT, Michel . Vigiar e punir: nascimento da prisão . 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
HORCADES, Alvim Martins . Descrição de uma viagem a Canudos . Salvador: EGBA/EDUFBA, 1996.
MACEDO, Nertan . Memorial de Vila Nova . Rio de Janeiro: INL, s/d.
PIEDADE, Léllis . Histórico e relatório do Comitê Patriótico da Bahia: 1897-1901 . 2. ed. Salvador: Portfolium, 2002.   


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