Canudos à Contraluz Na Cultura Literária

BURACO DO VENTO

BURACO DO VENTO por José Plínio de Oliveira*


– Menina! Há meses que não temos notícias tuas... Como é que foste parar aí?
               – Eu vim para cá no carnaval. Logo que soube das investigações da Polícia Federal e que as principais suspeitas recaiam sobre o Paulo. A minha ideia era conversar com o Gabrielli; afinal de contas todas as pessoas participaram da jogada, portanto, não se pode transformar somente uma persona em bode expiatório. Muitas personalidades daqui tiraram grande proveito, por exemplo, políticos, empresários, funcionários públicos do alto escalão, figuras da alta sociedade... Por que agora responsabilizar somente quem estava na ponta? É por isso que eu preciso ficar mais próxima desta gente.
               – Nesse caso, tu tens razão. Mas não diziam que era tudo tão seguro, que não havia nenhum risco?
               – Sim! Eram operações seguras. Entretanto, quando começaram as especulações sobre espionagens eletrônicas da parte dos Estados Unidos, neste caso, envolvendo o governo brasileiro, a Petrobrás, outras empresas do governo, o Brasil começou a forçar a barra e o governo americano foi trabalhando para minimizar a crise em termos de diplomacia. Mas o Brasil começou a instigar muito, a encher o saco. Então o Pentágono Americano botou as cartas na mesa e revelou o esquema de Pasadena: ora, energia e combustível são questões de segurança nacional em todo o mundo. Então o governo americano argumentou que, por razões de segurança nacional, foi obrigado a monitorar a compra da refinaria para precaver-se de que algum país árabe membro da Opep entrasse no negócio por trás da Petrobrás e viesse a ter poderes sobre Pasadena. Você sabe que refinaria de petróleo e usina nuclear são fatores de altíssimo risco para a segurança de um país.
               – Menina!... É a lógica da globalização do pânico construído e da paranoia do terror.
               – Pode ser porque toda a vez que o Brasil comparecia a um encontro de chefes de estado em Davos, Genebra, Paris ou Berlim começava a bater na mesma tecla. Foi aí que o Pentágono rasgou o verbo e a bomba estourou. Vê se alguém do governo fala mais em espionagem eletrônica?
               – Ficassem calados, e Pasadena teria sido o melhor negócio realizado pela Petrobrás em toda a sua história. Porque bom negócio na história nem sempre atende às expectativas da economia capitalista, se não se protege o capital do sigilo.
               – Quem fala demais, dá Bom Dia a cavalo.     
               – Kíria, nós precisamos conversar muitíssimo! Há muita preocupação aqui. Onde é que te encontras neste momento agora?
               – Bem. Eu estou agora em um lugar chamado Buraco do Vento, em Tucano. É no Sertão de Canudos, bem distante da capital. O lugar é uma grande depressão. Uma cratera imensa no meio da paisagem do sertão da Bahia. Uma espécie de escavação natural gigantesca, de proporções estupendas no meio da terra. Nunca tinha visto um lugar assim... É um lugar muito bonito, uma paisagem muito grotesca, mas de uma beleza mística extasiante, o que o torna atraente, misterioso, fascinante. É uma beleza paradisíaca. Pelas energias e características ecológicas deste lugar, estou absolutamente convencida de que em eras passadas este lugar foi um território místico dos povos nativos remotos desta terra. Na parte alta, a gente tem a sensação de que pode cair num grande precipício sem fundo, que é o estado psicológico em que me encontro neste momento. Principalmente aqui em que energias tocam nas profundezas do meu ser. Porém, quando a gente olha para a imensa paisagem que se estende ao longe vê estruturas rochosas naturais que se assemelham a ícones construídos por uma inteligência superior. É pena que o meu estado atual não me permita aprofundar estas paisagens no mais recôndito do meu íntimo. A minha paisagem interior contrasta com elas. É muito bonito este lugar, porque dentro da cratera há uma mata viçosa e no mais profundo há muita água e relva verde, macia e cálida... A gente desceu por uma estrada que contorna a grande cratera. Entramos para dentro do coração dela e vamos promover um grande bacanal com música, buffet extravagante, bebidas, dança, sexo, drogas, orgias e tudo a que se tem direito... Eu estou nas profundezas de uma depressão moral e psicológica insuportável. O medo de ser presa, de ter que viver em uma prisão é uma tortura permanente em minha cabeça, mas, antes disso, eu vou levar essa gente à degradação total; foi essa gente que causou todas as desgraças do Paulinho.
               – Querida, essa gente já vive na eterna desgraça moral. Uma a mais, uma a menos faz pouca diferença. Além do mais, o Paulinho foi avisado: “Tome cuidado com aquela gente lá de cima, aquela gente não tem o menor escrúpulo com nada”. Veja que aquele cara que tem um olho abaixo do outro foi prudente. Ele recebeu o mesmo aviso e soube fazer uso do que recebeu para eximir-se de responsabilidades.
               – Malu, olha! Eu sei que fomos demasiado ingênuos quando viemos a Salvador negociar com esse pessoal, por isso é que não devemos apodrecer na prisão...    
               – Kíria, quando foi que ouviste dizer que quem desvia dez bilhões de reais do erário público no Brasil fica preso por muito tempo? Vou te dizer uma coisa, em março de 2015 ninguém do famigerado Mensalão estará mais na cadeia. Embargos infringentes, apelações, habeas corpus, revisões de processos, recursos, benefícios, indultos e penas alternativas e domiciliares e etecetera, e etecetera, e etecetera...
               – Taí, é por isso que parte dessa grana eu vou enfiar no rabo dessa aristocracia vagabunda, financiando a sacanagem total. Eu quero desmoralizar esse país vagabundo o máximo que eu puder, para não deixar que nem um centavo retorne aos cofres públicos. Quando entramos neste negócio, o presidente da empresa era daqui, juntamente com toda a súcia de ladrões que ocupava o primeiro escalão na empresa. Agora ele se recusa a me receber. Esses sim! Deitaram e rolaram e agora estão imunes, rindo das nossas desgraças.
               – Você não é uma desgraçada, você é vítima de uma trama maléfica do Crime Organizado Oficial. Kíria, nós nos conhecemos desde criança. Tu és uma mulher de grande caráter, não te deixes decair jamais.        
               – Pode até ser... Mas o estado de consciência em que me acho me condena; a verdade é que... Você sabe aqueles momentos em que a gente deseja que a terra se abra aos nossos pés para cairmos no abismo? Eu estou assim.   
               – Por favor, me conta essa história direito!
               – Malu, eu estou aqui com uma galera sofisticada, requintada e exigente, mas da pesada. A nata da aristocracia baiana está comigo aqui e topa tudo. Tudo o que tu podes imaginar. Acredito que até canibalismo vai ser praticado aqui hoje. Malu, eu estou no meio de uma gente que não tem o mais leve escrúpulo. Vou estourar toda a grana que ficou comigo, promovendo festas orgias, orgias e orgias. Quando a Polícia Federal me prender, não terei mais um centavo nem um grama de moral. Já dei a bunda, chupei, fui chupada. Arrendei uma pousada em um balneário chamado Jorro, perto daqui, só para a putaria. Estou bancando tudo pra toda a galera que está comigo. Ninguém paga nada! Gays, lésbicas, fanchonis, gurias, bofes a porra toda comendo, bebendo e fodendo às minhas custas.
               – Menina, não deves gastar tanta pólvora em um chimango tão pequeno!
               – Olha, Malu, eu vou jogar tudo na lama. Tu sabes como é a Bahia.
               – Nem tanto assim como agora. Estive aí na Bahia através do Projeto Rondon quando ingressei na universidade. O nosso grupo ocupou-se mais das questões da cultura e da religiosidade popular em Canudos, na Várzea da Ema e em Chorrochó. Foi uma experiência muito proveitosa, mas também foi uma oportunidade de analisarmos uma Bahia dividida em dois prismas: o da moral religiosa e o da devassidão troglodita, do desregramento sodômico e excessivamente promíscuo, leviano. Nós não conseguíamos entender aquele mundo. É certo que vivíamos em um contexto um pouco conservador e eu ainda mais que pertencia e ainda pertenço a um contexto Luterano. Mas, em que pese, a Bahia nos assustou, nos chocou. Quer dizer, o lado podre da Bahia. E não é preciso ser moralista para isto; basta ter um mínimo de consciência humana. Nós tivemos colegas que quando retornaram para o Sul precisaram fazer demoradas sessões de psicanálise. Aquilo nos chocou profundamente. Não conseguíamos entender como o prisma sadio da moral religiosa não exercia a mais leve influência no lado podre e depravado da Bahia; são âmbitos díspares e diametralmente opostos. Talvez seja um caso raríssimo em todo o mundo. A religiosidade popular no meio rural de Canudos cultivava preceitos tão elevados que nos surpreendia e desautorizava a ciência gaia com que a academia nos instruiu para estudar o sertão da Bahia. Os saberes populares daquela região levaram-nos a repensar criticamente a nossa cultura dita civilizada e sulista de matriz alemã, italiana, suíça, polonesa, japonesa e por aí afora. Tudo isso caiu por terra frente aos valores preciosos que aquela gente sustentava. Lembro-me de que no fim de uma tarde retornávamos de um dia inteiro de trabalho do Cocorobó para a vila, na estrada encontramos uma velhinha que caminhava lentamente, ladeada por um casal ainda moço. Então paramos o veículo, cumprimentamos e oferecemos carona; o casal não respondeu, mas a velhinha nos olhou surpreendida: “Pra onde voceis vai?” “Para Canudos”, respondemos. A velhinha agradeceu e vaticinou: “Eu tenho que caminhá mais divagazinho com a minha cruz. A minha cruz pesa como chumbo e eu não tenho pressa, e assim eu vô semeano a Esperança, porque a Esperança leva para o Reino da Felicidade Eterna, e eu quero que todos voceis entre nesse Reino”. A velhinha despediu-se de nós e continuou a caminhada. “Quantos anos a senhora tem”? Alguém perguntou. “Cento e cinco; compretei no dia quinze”. Talvez o sertão da Bahia seja o único lugar do mundo em que se tenha Esperança, apesar do flagelo implacável que para alguns pesa como uma cruz de chumbo. Soubemos depois que o governo militar pretendia justificar as condições de pobreza extrema e de subdesenvolvimento do Nordeste, e estarrecer os estudantes sulistas que erigiam discursos em favor daquele povo, dando ênfase à degradação abominável que assola grande parte daquele povo, mais até do que as condições climáticas típicas daquela parte do Brasil. Com isso se pretendia ofuscar os valores culturais mais elevados que dão sustentação à “Esperança” do povo sertanejo. E em parte conseguiu em nós. Só não conseguiu que o Cirne Lima fizesse alguma coisa aí para transformar aquela realidade. É terrível isso! Quando deixamos o sertão da “Esperança” e do “Reino da Felicidade” que a velhinha nos apontava, descemos para Salvador e literalmente mergulhamos no “Reino dos Infernos”, porque quase tudo o que vimos ali era devassidão e degradação: o corpo da mulher e a sexualidade humana eram tratados de forma repugnante. Deve ter sido de propósito o que fizeram conosco. Dizia-se que um governador deles costumava dizer: “Pense um absurdo, na Bahia acontece”. Mas não fez coisa alguma para mudar aquele quadro. E a extensão daquele absurdo passa a acontecer para além da Bahia. Agora o pessoal de Camboriú vem contratado bandas de Piranhas Felizes da Bahia para desgraçar turistas argentinos, entretanto, o tiro tem saído pela culatra. Na semana passada uma adolescente de Curitiba cometeu suicídio quando uma dessas “cantoras” baianas vociferou para o grande público como uma mulher deve ser “usada” na cama. Alguém já disse aqui que Paulo Francis sempre teve razão.
               – Sobre esse discurso da Prostituta Feliz, eu vou te contar um fato: há alguns dias fomos assistir a uma dessas festas públicas em um povoado próximo daqui. Havia gente que não acabava mais diante de um palco em que uma dessas bandas vagabundas execrava o sexo da mulher, e umas garotas com corpos de manequins, semidespidas, dançavam no palco fazendo poses eróticas. No meio da festa, um indivíduo atlético, cabeludo, exibindo tatuagens ao longo dos braços, tirou a calcinha de uma das meninas em pleno palco e passou a girar a calcinha no dedo, e a gritar para o público: “Vocês querem bacalhau”, vocês querem bacalhau”. Referindo-se ao sexo da moça. A galera agitadíssima urrava alucinada e a menina ria para o público com aquele rostinho de puta vulgar. Depois, o indivíduo jogou a calcinha sobre a plateia gritando que o cara que a pegasse podia subir ao palco e fazer com a moça tudo o que quisesse. A peça foi disputada a coices, socos e pontapés até que um sujeito a segurou e subiu ao palco. Tu não imaginas as práticas sexuais e as sevícias repugnantes que o tarado fez com a menina em cima do palco; com o público gritando palavrões, masturbando-se, rindo, aplaudindo, fazendo gestos obscenos e enxovalhando o corpo da mulher enquanto ela continuava com aquele riso descarando com o sujeito possuindo-a pro trás. Vou te dizer uma coisa, dentro de no mínimo quinze anos a Indústria Cultural Baiana vai deplorar de tal forma o corpo da mulher que a sexualidade feminina vai se tornar abjeta e demasiado repugnante. Eu estou imersa nesta realidade.
               – Tu sabes o que penso? Isso é um caso de estudo, porque em mundo globalizado essas práticas não afetam tão somente a mulher da Bahia e a mulher do Nordeste em particular, mas toda a humanidade é afetada. Também as instituições são drasticamente atingidas. É isto que eu tenho dito. Quando você pretende sair dessa e voltar para cá?
               – Nos próximos cinco dias, vamos descer para Salvador, vou continuar insistindo na conversa com o cara, embora ele esteja se esquivando de mim. Ele é a peça fundamental para resolver essa problemática. Assim que chegar lá eu te ligo e vou te deixando a par das novidades.               

              Kíria Krishimann Harthmann foi a mulher mais brilhante que veio a habitar o Planeta Terra. Linda, charmosa, elegante, inteligente, sensível, culta, carismática e generosa, mas a determinação imperativa da sociedade terminou por interferir na sua vida e alterar os rumos do seu caminho. Ela foi eleita Miss Tubarão quando ia completar 18 anos de idade e veio para Florianópolis concorrer a Miss Santa Catarina, tendo sido escolhida em noite da gala e glamour no salão de festas do clube mais caro, seleto e sofisticado da cidade.
              Na noite fulgurante em que as “meninas” vestidas e maquiadas com esmerada produção e requintes exigentes desfilavam na passarela, sob luzes de câmeras de TV e flashes de máquinas fotográficas, era impossível cogitarem na relativa inocência em que se encontravam imersas das formas de negócios articulados nos bastidores daquele evento de gala, envolvendo-as em tramas bilionárias. Para elas tudo aquilo era um sonho, um conto de fadas em que eram protagonistas de um momento ímpar na grande narrativa da vida social. No mais íntimo de cada uma havia certa perplexidade com tanto aparato, tanta sofisticação, tanto glamour, tanta ornamentação, tanto requinte, tanto investimento. Claro que a maioria delas havia participado de eventos de debutantes, como um ritual de passagem inventado pelo capitalismo, como tantos outros dos seus inventos, para reificar e intensificar o gosto sexual na figura feminina.
            No tempo da infância, adolescência e juventude daquelas moças os discursos vigentes ainda permitiam que se vivesse a meninice com todas as nuances dessa fase da vida. Era permitido sonhar. E o universo onírico é extremamente envolvente nas primeiras fases da vida humana, porque nele se podem pintar quadros com todos os matizes sonhados para colorir a existência humana. É nessa perspectiva que o indivíduo tem as melhores possibilidades de construir o seu mundo de Esperança e de Felicidade, mas, entretanto, isso tem um limite quando passa a ameaçar os valores estabelecidos pela sociedade dominante. O indivíduo perde a liberdade do sonho e sofre a castração incisiva no mecanismo de produções de subjetividades; não consegue expressar o seu patrimônio simbólico, porque este não tem nenhum valor de mercado perante a sociedade de consumo. A sociedade não admite sonhar sempre e então passa a formatar o caráter dos sujeitos, através da aparelhagem ideológica do estado, de maneira que tudo venha a ser capitalizado para essa formatação: a vida familiar, o lúdico, a religião, a educação escolar, a literatura infanto-juvenil, o desenho animado, o cinema, a música, a natureza e etc. Pois que chegada a puberdade tudo é radicalmente condicionado para atender a lógica da sociedade de capitalista. Não transformado, porque a transformação ofereceria ao indivíduo o direito de opinar, de fazer escolhas. Nesse caso não, as opções são estritamente de interesse da sociedade e ela impõe a sua determinação. Logo, é por ocasião do surgimento do ciclo menstrual que a sociedade fabrica a debutante, estimula a libido até as consequências mais extremadas e imprime a grife de objeto sexual na menina moça sem que muitas vezes ela consiga entender bem o que está se passando. Para tanto, a própria família se utiliza de um mecanismo infalível: a vaidade feminina. Então, dentro do seu ambiente doméstico a menina ganha status de princesa e passa a ser alvo dos devaneios incestuosos e das elucubrações eróticas dos próprios membros da família, interessados na exploração financeira do seu corpo. Dessa forma, ela deixa de ser pessoa para ser investimento, mediante a especulação dos seus atributos e predicados sensuais e sexuais. Bumbuns, seios, colos, pernas, coxas, cabelos, ventres, mãos, pés, olhos, lábios; tudo se torna de mais valia no panorama da economia sensual, e a menina se torna escrava da beleza e da obsessão pelo “corpo perfeito”, impulsionada pelos desejos do outro. Passada essa fase, a moça pode chegar a modelo, símbolo sexual, atriz, apresentadora de TV, garota propaganda ou até miss. Mas é na passarela da debutante que a menina moça entra para a engrenagem da economia de mercado sexual, podendo ser bem sucedida ou cair na armadilha do fracasso.
            Naquela noite, em plena passarela, Kíria Harthmann teve um insight, mas como expressá-lo naquele momento? O grande salão de eventos repleto de personalidades da sociedade catarinense, da política, gente de mídias, empresários e magnatas brasileiros e estrangeiros que vinham ao país especialmente para aquele momento. Logo deram início ao show e aos serviços sofisticados de buffet. Então os produtores do evento passaram a “vender” as meninas para agências de publicidades, revistas especializadas em modas, grifes e grandes interessados. Tudo com a cumplicidade dos familiares das moças e com mais cuidada descrição para não ofuscar o brilho da festa. Foi assim que os pais de Kíria foram convidados aos bastidores onde a produção explicou um excelente negócio:
             – Um dos Gerdau fez uma proposta bilionária, mas um velhinho alemão magnata do aço e da indústria pesada do seu país triplicou a oferta para casar-se com a Miss. O que é que vocês acham?
             A mãe quis saber do valor do contrato, vendo-o correu eufórica para o camarim da filha.
             O velhinho ocupava um espaço privilegiado no salão, cercado por assessores especiais, servidores, seguranças e amigos brasileiros. Frequentador assíduo das festas da colônia alemã, muito requisitado e venerado, o velhinho passava dos 90 anos. Não obstante, ainda se deixava fascinar por uma beleza jovem. Naquela noite, ele representava a figura típica de um Fausto decadente, impondo o seu império financeiro para satisfazer ao Império dos Sentidos. Nesse sentido, os seus assessores mais próximos tinham instruções da família para satisfazer-lhe todos os gostos. A sua careca reluzente com marcas semelhantes a ferrugens distribuídas pelo rosto rosado, pelas mãos e pescoço davam a impressão de uma peça de museu submetida a um tratamento cuidadoso de preservação, visando a não perder a originalidade. Ele assistia embevecido ao desfile das misses quando o seus olhinhos muito azuis e perspicazes vislumbraram a presença de Kíria, a sua língua passou a tremer de forma incontida e ele descia a mão direita para a região pubiana como se pretendesse encontrar alguma coisa. Pobre velhinho!
              – Quem é ele?
              – Aquele senhor que está ocupando as mesas da primeira fila com um grupo de pessoas.
              – Mãe, aquele coroa é mais velho do que o bisa!
              – E daí?
              – Além disso, a senhora sabe que eu amo o Paulinho desde a nossa infância.
              – Minha filha. Amor, amor... O que é o amor? (mostrando-lhe os valores consignados no contrato).
              – Fechado!!!
              A mãe a abraçou com efusão e lágrimas de gratidão.
              Pode deixar que nós vamos arrumar um ótima colocação para o Paulinho.
              Quatro meses depois, o velhinho veio a óbito em um balneário francês, Kíria retornou para o Brasil, milionária, reativando o relacionamento com o namorado de infância. E os tempos foram passando...
              Depois da farra no Buraco do Vento, ela foi aumentando gradativamente o consumo de barbitúricos, logo passando a consumir drogas mais pesadas. Uma noite em outra farra promovida em Guarajuba teve uma crise de overdose de cocaína. Foi trazida às pressas para o Hospital Aliança, mas veio a óbito quando a ambulância entrou na Paralela.



                                                 Serrinha, 24 de junho de 2014.                               
               


*PROFESSOR DE LITERATURA NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB EM EUCLIDES DA CUNHA.                   

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