Canudos à Contraluz Na Cultura Literária

FREUD DILACERADO

                                             FREUD DILACERADO   Por José Plínio de Oliveira*
                                                                                       

              O DOUTOR SÓFOCLES AUGUSTUS PETRINI MANFREDI concluiu suas pesquisas na USP e foi trabalhar com a sua colega Nise da Silveira no Museu de Imagens do Inconsciente. Mas foi aí que ele passou a defender a teoria de que: O sexo não está no centro da realidade humana. O que nele há é uma tensão permanente entre o desejo e o efeito disruptor implicado no cotidiano dos sujeitos. Partindo dessa convicção científica, depois incorreu em leituras de Guattari, Suely Rolnik, Foucault, Deleuze e Roland Barthes. Mais adiante, foi trabalhar em Bruxelas, Tel-Aviv, Viena, Roma, Amsterdã e Nova Iorque. Voltou para o Brasil três dias antes do atentado contra o Word Trade Center.
              Nascido na cidade de Senhor do Bonfim na Bahia, no dia 05 de agosto de 1943, filho de uma professora de francês e de um diretor regional da Leste atraído para a Estrada de Ferro Santos Jundiaí por um salário milionário para a época, Manfredi foi levado pelos pais aos dois anos de idade para São Paulo onde se destacou em formosura, nobreza, inteligência, elegância e desenvoltura no seio da nobiliarquia paulistana. Dessa forma, é que ele foi muito bem sucedido na carreira universitária que abraçou com requintado entusiasmo.
              Psicanalista de renome, volta agora o Dr. Manfredi a clinicar na cidade de São Paulo e a trabalhar como consultor para universidades estrangeiras e institutos de psicologia aplicada e de psicanálise. Assim, em consultório de hospital suntuoso no elegante bairro dos Jardins também passa a maior parte do seu tempo; ao ritmo em que escreve a sua obra-prima: A Sociedade Pós-Moderna e os Problemas da Sexualidade Humana. E sempre que recebe colegas e pesquisadores do exterior, mesmo antes de apresentar a equipe de trabalho, apresenta-lhes o aparelho telefônico:
              – Este é o nosso Freud. Ele é quem mais escuta aqui...     
              Homem de escrúpulos e de minúcias exaustivas, está agora no consultório tendo uma jovem paciente ao divã:
              – Narre com mais detalhes essa experiência que a senhora teve com o rapaz!
              – Ah! Sim, doutor... Primeiro ele começou a beijar-me os lábios, e o pescoço; depois foi descendo para os seios. E então eu comecei a ficar excitada. Percebi que ele tirava a minha blusa e já me beijava toda. Eu sentia a sua língua como uma coisa felpuda, esponjosa, quente e úmida que deslizava das pontas dos meus seios até a região do umbigo. Doutor, eu sentia arrepios indescritíveis e um prazer louco me tomava toda. Foi aí que me dei conta de que as minhas próprias mãos punham-se a empurrar a cabeça dele para baixo...
              – Como assim? Como assim? Narre com mais detalhes. Eu quero detalhes minuciosos!... E o que a senhora sentia nesse momento? Por favor, descreva-me com mais detalhes. Eu quero minúcias. Até agora, parece-me que ele só havia retirado a parte de cima da vossa roupa; se é assim a senhora ainda estava em parte vestida...
              – Sim! Eu ainda estava de saia e calcinha, mas desesperada para retirá-las. Cada vez que a língua dele deslizava sobre mim. Ai! Doutor Manfredi, eu sentia desejos de entregar-me toda...  
              – E não o fazia por quê?
              – Presumo que algum resquício de escrúpulo feminino.
              – Sim. É possível... Por favor, continue e seja minuciosa ao máximo.
        – Eu percebia que estava toda molhadinha e ele foi despindo-me da saia de forma delicadíssima. Ai!... E quando inteiramente nua; ele passou a beijar sofregamente o meu sexo e
foi aí que eu cheguei à loucura... 
              – Nesse momento, a língua dele já ia penetrando na sua vagina?
              – Não, ele me ia beijando as coxas, chupando, mordendo e eu empurrava com a mão
a cabeça dele para dentro de mim; quando senti que a ponta de algo quente, molhado e muito
agitado deslizava sorrateiramente para o meu clitóris...
              Trinnnnnnnnnnnnnnnnnn.
              – Com licença, por favor.
              Doutor Manfredi foi à recepção, tirou a peça do gancho como se a estrangulá-la. Tomou o telefone e saiu pelos corredores do hospital com o aparelho em uma mão, arrastando os pedaços de fios e o fone apertado na outra, como que silenciado à forca aquele instrumento de comunicação. Os seus cabelos revoltos e desalinhados, o seu andar resoluto, o seu olhar esfuziante, davam-lhe a aparência trágica de um autômato desorientado. Passou por ampla sala de espera repleta de gente; os fios do telefone embaraçaram-se em uma árvore de natal. E lá se foi ele, seguido por uma via láctea de estilhaços de lâmpadas coloridas e de fitas reluzentes como metais preciosos. E quando chegou diante da parede de vidro da central telefônica projetou contra ela os objetos que trazia
às mãos:
              – Eu já avisei nesta porra! Neste caralho! Quando estiver com paciente ao consultório
jamais poderei ser interrompido.


                                                                                   
                                                         Serrinha, 04 de setembro de 2005.




*PROFESSOR DE LITERATURA NO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TERCNOLOGIAS – CAMPUS XXII DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB EM EUCLIDES DACUNHA.

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